A judicialização na saúde e os impactos na atuação médica

Por Natália Soriani

O número de processos judiciais contra médicos no Brasil aumentou 506% em apenas um ano: de pouco mais de 12 mil, em 2023, para mais de 74 mil ações em 2024. Os dados são do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e equivalem a 203 novas ações por dia. Atualmente, há mais de 139 mil processos por erro médico ainda pendentes de julgamento no país. A judicialização na saúde é uma forte tendência hoje no Brasil, o que traz importantes desafios para a prática médica, para os pacientes e para o sistema de saúde como um todo.

A judicialização excessiva pode gerar um ambiente de insegurança jurídica que afeta diretamente a relação médico-paciente. Médicos, muitas vezes, passam a atuar sob uma constante ameaça de ações judiciais, o que pode levar ao medo de tomar decisões clínicas complexas, prejudicando a autonomia profissional e, consequentemente, a qualidade do atendimento. Além disso, a preocupação com possíveis processos judiciais pode aumentar o uso de exames e procedimentos defensivos, elevando os custos e, muitas vezes, prejudicando o melhor interesse do paciente.

O tema demanda uma reflexão sobre o impacto dessa judicialização e a necessidade de uma abordagem equilibrada que proteja os direitos de ambas as partes, de modo que os médicos não se coloquem em posição de vulnerabilidade diante da enxurrada de processos judiciais. Essa abordagem equilibrada deve garantir que os pacientes possam buscar reparação por danos reais, sem que isso se transforme em uma ferramenta de punição ou assédio ao profissional.

Na prática e atuação médica, a reputação e o bem-estar profissional são itens essenciais, que caminham junto com a ética e o compromisso com a qualidade do atendimento, o que requer dessa categoria a adoção de estratégias eficazes que os ajudem a proteger seus direitos.

Alguns relevantes fatores podem constituir essa estratégia de blindagem, de proteção profissional. A primeira delas é a organização administrativa, com a documentação detalhada e completa de toda assistência prestada. Todas as informações devem ser registradas de forma clara, atualizada e completa: prontuário do paciente, com datas, histórico, consentimentos informados, exames solicitados e realizados, decisões clínicas e orientações prestadas. Tal documentação forma com robustez o material que pode provar que o procedimento foi realizado seguindo os padrões profissionais exigidos em caso de eventual reclamação ou ingresso de processo judicial.

Nessa documentação é igualmente importante fazer e guardar os termos de consentimento. Esses termos devem ser elaborados por escrito e assinados, contendo garantias de que o paciente foi informado e compreende os riscos, benefícios e alternativas acerca do procedimento a ser realizado pelo médico. A depender do procedimento, ter o documento assinado por testemunhas ajuda a dar segurança para ambas as partes, além de demonstrar o respeito à autonomia do paciente e reforçar a legalidade do que está sendo feito.

Para além desse cuidado administrativo, ao médico que deseja atuar sem receios de judicialização, são fundamentais a capacitação contínua e o atendimento humanizado. O profissional de saúde precisa estar sempre atualizado com as melhores práticas, protocolos clínicos e legislações específicas do setor. A participação ativa em cursos, workshops e congressos contribuem para manter o conhecimento atualizado, bem como fortalecer a argumentação e evidência de que a conduta seguiu padrões reconhecidos pela comunidade médica. Junto a esse conhecimento, garantir um atendimento humanizado, atencioso e respeitoso faz toda a diferença. Deve-se estabelecer com todo paciente uma comunicação clara, empática e transparente, minimizando ruídos e riscos de mal-entendidos e de insatisfações que possam evoluir para processos judiciais.

Em procedimentos que envolvam maior risco ou tratamentos complexos, a elaboração de contratos ou termos de responsabilidade específicos pode limitar responsabilidades e estabelecer expectativas claras. Esses documentos, feitos de forma ética e transparente, também podem ser utilizados na defesa judicial. Profissionais mais cautelosos podem, inclusive, adotar o contrato para todos os procedimentos, não apenas os de maior complexidade.

Já no âmbito jurídico, muitos médicos desconhecem, mas alguns conselhos regionais da profissão e algumas associações profissionais oferecem algumas orientações específicas que podem ajudar na defesa. Agora, como tratam de situações específicas, o mais prudente é poder contar de fato com assessoria e consultoria especial em direito de saúde, que garantam não só a defesa em caso de litígio, como também uma atuação preventiva, que possam esclarecer dúvidas sobre conduta médica.

Diante do aumento de processos na Justiça, os médicos não podem ficar passivos. A adoção de boas práticas, a busca por atualização contínua e o suporte jurídico especializado são ferramentas essenciais para uma defesa eficaz. Essas são estratégias que não apenas protegem a classe médica dessa tendência de ações judiciais, como também fortalecem a relação de confiança com os pacientes. É desse modo que se promove uma prática médica mais segura, ética, sustentável e eficiente para todos.


*Natália Soriani é advogada especialista em Direito Médico e de Saúde e sócia do escritório Natália Soriani Advocacia.

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