O papel da gestão hospitalar diante da crescente longevidade
Por Marcelo Sartori
À frente da gestão hospitalar de respeitados hospitais de São Paulo nos últimos quinze anos, entendo que, para evoluirmos na saúde pública e privada no Brasil, seja imperativo debater caminhos para cenários iminentes em nosso setor. Para isso, é preciso encarar alguns fatos com clareza. O principal deles é que a população brasileira está envelhecendo aceleradamente e o sistema de saúde não se mostra preparado para a realidade dos próximos anos.
As projeções do IBGE, com base no último censo, revelam que, entre 2000 e 2023, a proporção de idosos no Brasil quase duplicou, passando de 8,7% para 15,6% do total de brasileiros. Em números absolutos, houve um salto de 15,2 milhões para 33 milhões de pessoas com 60 anos ou mais, projetando-se que, até 2070, cerca de 38% dos brasileiros serão considerados idosos — o equivalente a 75,3 milhões. Esse cenário impõe desafios que, se negligenciados, podem comprometer a qualidade de vida das futuras gerações, bem como a sustentabilidade do sistema de saúde.
O primeiro deles, sem dúvida, é o ajuste entre capacidade assistencial e demanda. O envelhecimento populacional eleva significativamente a prevalência de doenças crônicas, na necessidade de cuidados contínuos e no uso intensivo de recursos hospitalares e ambulatoriais – exigindo, não apenas expansão de infraestrutura, mas também uma revisão profunda nos modelos de atenção, financiamento e gestão, ainda imaturos no setor.
Na prática, mesmo com o avanço da saúde suplementar – que em São Paulo já cobre quase 40% da população, segundo dados recentes do Instituto de Estudos de Saúde Suplementar (IESS) -, o sistema já opera no limite, exigindo que os gestores enfrentem o desafio crescente de equilibrar sustentabilidade financeira, qualidade assistencial e ampliação do acesso.
Outro desafio crucial, debatido recentemente na 1.ª Jornada de Desospitalização do Hospital Samaritano Higienópolis, é o equilíbrio entre a atenção hospitalar e os novos modelos de cuidado. A maioria dos protocolos médicos permanece estruturada para um perfil populacional e epidemiológico ultrapassado. Implementar alternativas como a desospitalização planejada é fundamental para essa evolução. Dados do Ministério da Saúde comprovam que esse modelo contribui para reduzir a sobrecarga dos serviços emergenciais e diminuir as taxas de reinternação, viabilizando um sistema mais sustentável.
A atuação de equipes multidisciplinares é imprescindível para garantir que a alta hospitalar seja segura, que ocorra continuidade do cuidado, assim como a reintegração social do paciente idoso. A desospitalização, importante destacar, não se resume a encurtar o tempo de internação. Traduz-se em promover assistência integral na maturidade, , alinhada à realidade do paciente e focada em qualidade de vida, por meio de protocolos clínicos personalizados.
É urgente, portanto, que a governança hospitalar transcenda a administração tradicional e lidere ativamente a transformação do cuidado à saúde, comprometendo-se com impacto positivo real na vida dos pacientes, por meio de assertividade clínica e otimização de recursos. Há aqui uma convergência estratégica: tais objetivos não são antagônicos, mas sinérgicos. A implementação de modelos assistenciais inovadores viabilizará um sistema robusto, humanizado e economicamente sustentável para as próximas décadas, o que assegura cuidado digno, oportuno e efetivo a toda a população.
*Marcelo Sartori é médico e diretor executivo do Hospital Samaritano Higienópolis e Diretor Regional da Rede Américas.