Telemedicina e a urgência de equalizar o acesso à saúde
Por Rafael Figueroa
O Brasil é um país de dimensões continentais, com uma população de mais de 200 milhões de pessoas espalhadas por regiões com características geográficas, econômicas e sociais muito distintas. Essa diversidade representa um grande desafio para a oferta de serviços públicos de qualidade, especialmente na área da saúde. De acordo com o estudo “Demografia Médica no Brasil 2024”, divulgado pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), o número de médicos no país quase dobrou nos últimos 14 anos, passando de 304 mil em 2010 para aproximadamente 576 mil em 2024. Apesar desse crescimento expressivo, a distribuição dos profissionais ainda é muito desigual entre as regiões e estados brasileiros.
Enquanto o Distrito Federal conta com 6,3 médicos por mil habitantes, o Maranhão tem apenas 1,3. As capitais, que abrigam 23% da população, concentram 52% dos médicos, enquanto o interior, com 77% da população, conta com apenas 48% dos profissionais. Em Roraima, por exemplo, 97% dos médicos estão em Boa Vista, que possui 65% da população do estado. Essa desigualdade na distribuição de médicos tem consequências graves para a saúde da população, especialmente nas regiões mais remotas e carentes do país. A falta de acesso a especialistas, a demora no atendimento e a dificuldade de realizar exames e diagnósticos são problemas que afetam milhões de brasileiros e que contribuem para o aumento de doenças graves e a superlotação dos hospitais.
Diante desse cenário, a telemedicina desponta como uma solução eficaz para democratizar o acesso à saúde, oferecendo atendimento qualificado e abrangente a um custo acessível. Por meio de plataformas digitais, ela conecta médicos e pacientes à distância, viabilizando consultas, exames, diagnósticos e tratamentos sem a necessidade de deslocamento físico. Embora não seja uma novidade no Brasil, ela é regulamentada desde o fim de 2022, a telemedicina pode ser adotada como política pública por estados e municípios, conforme suas demandas. A pandemia de Covid-19, no entanto, impulsionou significativamente sua utilização, evidenciando seu potencial de transformar o sistema de saúde no país.
Um exemplo bem-sucedido de telemedicina no SUS é o programa Piauí Saúde Digital, desenvolvido pelo governo do estado. A iniciativa oferece teleconsultas com clínico geral 24 horas por dia, sete dias por semana, acessíveis a toda a população por meio de um aplicativo que também permite o monitoramento de sinais vitais, como pressão arterial, temperatura e níveis de estresse. Além da plataforma digital, o programa contempla a realização de eletrocardiogramas (ECG) em protocolos de triagem e check-up voltados a grupos com maior risco de doenças cardíacas, em mais de 400 unidades de saúde. Os exames são feitos por técnicos de enfermagem e laudados remotamente por cardiologistas, por meio de um sistema seguro e conectado à internet
A tecnologia utiliza inteligência artificial (IA) e internet das coisas (IoT) para antecipar diagnósticos e reduzir a mortalidade por doenças cardíacas, como infarto agudo do miocárdio (IAM) e acidente vascular cerebral (AVC). Os laudos de ECG são avaliados em até 20 minutos e, quando há alguma alteração grave detectada pela IA, o exame recebe prioridade e é entregue em menos de 5 minutos. Em pouco mais de um ano de implementação, o programa já apresentou resultados impressionantes. Segundo dados do Data SUS, a mortalidade por Infarto Agudo do Miocardio (IAM) caiu 27,33% e as mortes por AVC caíram 28,4% no estado. Além disso, o Piauí alcançou o menor tempo de espera para consultas pelo SUS entre os 27 estados do país, com uma média de 10,8 dias, segundo matéria do Estadão.
A utilização da Telemedicina também permite uma maior gestão de dados de saúde, fornecendo painéis com informações em tempo real para o planejamento de políticas públicas. A integração da plataforma de laudos com 90% dos equipamentos disponíveis no mercado, por meio do IoT, permite que a tecnologia seja implementada em larga escala, sem a necessidade de adquirir novos equipamentos. A telemedicina não é uma solução mágica para todos os problemas da saúde no Brasil, mas é uma ferramenta que pode ajudar a superar muitos dos desafios que enfrentamos, como a desigualdade na distribuição de médicos, a falta de acesso a especialistas, a demora no atendimento e a dificuldade de realizar exames e diagnósticos.
O Brasil vive uma contradição: tem quase 600 mil médicos formados, mas milhões de pessoas sem acesso regular a atendimento. Enquanto essa desigualdade persistir, qualquer discurso sobre saúde pública universal será apenas retórico. A telemedicina, já regulamentada e funcional, é hoje uma das poucas ferramentas capazes de vencer a geografia, a escassez de especialistas e a morosidade da máquina pública. Portanto, ignorá-la como política de Estado é desperdiçar a oportunidade de transformar radicalmente a forma como o Brasil cuida de sua população.
*Rafael Figueroa é CEO da Portal Telemedicina.