Sete estratégias para a saúde mental dos profissionais da saúde
Por André Fusco
Cuidar de quem cuida é, hoje, um dos maiores desafios da gestão em saúde. À medida que cresce o debate sobre saúde mental no trabalho, especialmente após a reformulação da NR-1, que passa a exigir a gestão de riscos psicossociais a partir de maio de 2026, estamos diante de um momento de oportunidade para rever não apenas as práticas assistenciais, mas também a estrutura organizacional que sustenta o trabalho em instituições hospitalares.
Estudo da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) aponta que 86% dos profissionais da saúde no Brasil apresentam sintomas de Burnout, e 81% relatam níveis elevados de estresse. Transtornos do sono, ansiedade, depressão e exaustão emocional são amplamente reportados por médicos, enfermeiros, técnicos e trabalhadores da linha de frente.
Ambientes hospitalares, pela sua própria natureza, concentram fatores que intensificam o risco de adoecimento: jornadas extensas, decisões críticas, contato diário com o sofrimento humano e alta demanda. Por outro lado, também são espaços em que o senso de propósito é muito presente. O desafio está em conciliar esse engajamento com uma organização do trabalho que preserve a saúde mental dos profissionais.
Além dos desafios intrínsecos da profissão, a cultura de normalização do sofrimento é ainda mais visível no setor de saúde. Essa lógica, muitas vezes, começa ainda na graduação. Estudantes são expostos a jornadas exaustivas, plantões sucessivos e à crença de que um bom profissional “dá conta de tudo”. A partir daí, constrói-se uma identidade marcada pelo sacrifício, e não pelo cuidado de si.
Mas há um limite para o nível de dedicação, mesmo que exista um propósito nisso. O chamado “presenteísmo”, quando o profissional está fisicamente presente, mas sem condições emocionais ou cognitivas para atuar, pode ser mais perigoso que o afastamento. Coloca em risco o próprio trabalhador e os pacientes.
É nesse contexto que proponho uma mudança estrutural pela Ergonomia Mental: uma abordagem Inspirada na Psicodinâmica do Trabalho de Christophe Dejour que busca compreender como a organização do trabalho afeta a saúde psíquica das pessoas.
Enquanto a ergonomia osteomuscular ajusta o ambiente físico para evitar lesões, a Ergonomia Mental intervém sobre metas, processos, regras, lideranças e formas de reconhecimento. O objetivo é adaptar o trabalho para que ele seja psicologicamente viável, realizador e sustentável, gerando frutos positivos tanto para o colaborador quanto para a organização.
Sete estratégias para transformar o ambiente de trabalho
Com base em minha experiência com equipes de saúde e organizações hospitalares, proponho sete estratégias que podem ajudar instituições a promover ambientes mais saudáveis e gerar resultados positivos a longo prazo:
- Mapeamento do trabalho real: usar ferramentas qualitativas para observar a rotina das equipes, entender as causas dos riscos psicossociais e o contexto geral das regras organizacionais.
- Criação de espaços protegidos de escuta: promover rodas de conversa, canais anônimos e fóruns permanentes para acolher demandas emocionais e sugestões sem julgamento.
- Revisão de protocolos com base na realidade: adaptar regras conforme o que gera mais produtividade e conforto para os colaboradores, com participação ativa das equipes técnicas.
- Formação de lideranças empáticas: capacitar gestores para escutar, reconhecer e atuar com responsabilidade emocional, promovendo segurança psicológica.
- Reconhecimento estratégico: usar o reconhecimento como ferramenta de motivação e proteção, não como benefício esporádico. Reconhecimento bem aplicado dá sentido ao sofrimento, fortalece vínculos, confiança e propósito.
- Apoio estruturado ao retorno após adoecimento: criar planos personalizados com readaptação progressiva, escuta ativa e acompanhamento contínuo.
- Integração da saúde mental nas políticas institucionais: acompanhar indicadores de clima organizacional e incorporar a saúde mental como parte das metas estratégicas e políticas de conduta.
Para além da prevenção: um investimento estratégico
A saúde mental precisa ser tratada como um tema estratégico para que qualquer empresa prospere de forma sustentável, especialmente quando seu propósito está diretamente ligado ao cuidado com vidas. Equipes saudáveis, engajadas e bem estruturadas contribuem de forma decisiva para a redução de afastamentos, erros, rotatividade e litígios, além de elevarem a qualidade assistencial e o desempenho institucional.
A sustentabilidade de um hospital passa, inevitavelmente, pela saúde emocional de quem cuida. E isso começa, fundamentalmente, pela forma como o trabalho é pensado, organizado e conduzido no dia a dia.
*André Fusco é médico-psicanalista, especialista em Ergonomia Mental e consultor em saúde mental no trabalho.