Tecnologia e Saúde: uma janela que vale a pena abrir
Por João Gabriel Stevanatto Bastos
No mês passado, a revista nova-iorquina Newsweek publicou o ranking dos melhores hospitais do mundo. E, não, não houve muitas surpresas. O top 10 das clínicas mais prestigiadas se dividiu entre geografias reconhecidas por oferecer saúde de qualidade, independentemente dos custos: Estados Unidos, Canadá, Suécia, Alemanha, Singapura, Israel e Suíça. A única latino-americana entre as 30 primeiras foi o Hospital Albert Einstein, de São Paulo, que ocupa a 22ª posição no ranking global.
Essa classificação representa uma referência no setor da saúde e destaca hospitais de todo o mundo que se diferenciam por sua excelência no tratamento de doenças complexas, infraestrutura de ponta e, especialmente, pela integração de tecnologias emergentes, como a inteligência artificial na atenção médica. Segundo a Organização Mundial da Saúde, é justamente nessa última premissa que se encontram muitas pistas para enfrentar os desafios que virão.
Desde a pandemia de covid-19, a aplicação de tecnologia nos processos de diferentes indústrias se tornou uma necessidade. O problema foi que a moda se sobrepôs à estratégia e à maturidade digital e o resultado foi o esperado: fracasso. Um estudo publicado pela consultoria Boston Consulting Group confirma que 85% das empresas declararam ter iniciado um processo de transformação, mas desse mesmo estudo se destaca que 75% não encontraram melhorias nos resultados.
Vamos focar no que diz a OMS sobre tecnologia aplicada à saúde: um relatório conjunto da Organização Mundial da Saúde (OMS) e da União Internacional de Telecomunicações (UIT) afirma que investir US$ 0,24 adicionais em intervenções de saúde digital, como telemedicina, mensagens móveis e chatbots, pode ajudar a salvar a vida de mais de dois milhões de pessoas em risco de desenvolver doenças não transmissíveis (DNTs). E voltemos ao aprendizado que a pandemia nos deixou: não se trata de acumular ferramentas, mas de entender como e o por que as utilizamos.
A vanguarda tecnológica na saúde hoje é marcada por agentes de inteligência artificial: sistemas capazes de realizar tarefas específicas, tomar decisões de forma autônoma e se adaptar. O debate sobre as formas de utilizá-los é amplo e ocupa um eixo central na agenda de empresas e governos. A dúvida sobre como aplicá-los sem comprometer a essência humana é constante. Na área da saúde, porém, parece não haver discussão: integrar inteligência artificial melhora o atendimento ao paciente, a eficiência operacional e a segurança dos dados, capacitando os profissionais da saúde a tomarem decisões mais informadas e personalizadas. Em resumo: as pessoas se concentram no que realmente importa e a tecnologia se torna uma aliada para agilizar processos e melhorar resultados em um tema muito sensível — tanto no Brasil quanto em toda a América Latina.
O relatório “A mudança impulsionada pelos agentes de IA nas diversas indústrias”, da Globant, destaca o potencial transformador dos sistemas baseados em inteligência artificial. Em uma indústria que gera 2,5 trilhões de bytes de dados por dia, sua capacidade de analisá-los é impressionante. Por exemplo, em hospitais e clínicas, permite gerenciar processos logísticos complexos, como a cadeia de suprimentos de terapias avançadas, melhorando em até 30% os tempos de infusão dos pacientes.
No âmbito dos pagadores e seguradoras que gerenciam o risco populacional e o financiamento de tratamentos inovadores, a IA permite uma análise avançada de grandes volumes de dados para identificar padrões de risco e otimizar a alocação de recursos. Isso inclui a avaliação da efetividade de novos ativos farmacêuticos e a previsão de custos associados a grupos de pacientes, facilitando modelos baseados em valor.
Em termos de automação inteligente de fluxos de trabalho e geração de conhecimento médico, já foi demonstrada a capacidade de reduzir em até 80% o tempo dedicado à criação de conteúdo clínico e regulatório, mantendo a consistência e a conformidade normativa, além de facilitar a gestão do conhecimento especializado.
A verdadeira revolução, no entanto, reside na criação de ecossistemas de saúde interconectados, nos quais a inteligência artificial atua como um maestro. Trata-se de tecer uma rede que conecte os sistemas de informação hospitalar e os prontuários eletrônicos de saúde com plataformas dinâmicas de gestão da experiência do paciente e coordenação do cuidado. Isso deve ser enriquecido com análises preditivas e ferramentas especializadas para um atendimento baseado em valor, transformando dados isolados em conhecimento acionável.
Essas abordagens redefinem a saúde em direção a uma medicina preditiva e personalizada, na qual os agentes de IA antecipam necessidades com base no histórico e nos riscos, ajustando intervenções e comunicações para melhorar a adesão e os resultados. Ao mesmo tempo, automatizam processos clínicos e administrativos, liberando tempo médico, e promovem o empoderamento do paciente por meio do acesso à informação e ferramentas de autogestão.
Hospitais e clínicas que integram tecnologia também percebem impacto no tempo de internação. É o caso do Concord Hospital (EUA), que implementou um sistema de prontuário eletrônico com IA, otimizando a comunicação e os processos clínicos, e conseguiu reduzir, em média, 1,25 dia da internação dos pacientes. Também nos EUA, o Tampa General Hospital integrou um sistema de IA em sua unidade de cuidados intensivos neurológicos (NSICU). Essa ferramenta ajudou a identificar pacientes aptos a serem transferidos para unidades de menor complexidade, reduzindo a média de internação ao eliminar 20 mil dias de permanência desnecessária e as transferências emergenciais em 25%. A melhoria resultou em 30 leitos adicionais e maior eficiência no fluxo de pacientes.
Dr. Eric Topol, cardiologista, geneticista e pesquisador em medicina digital, argumenta Em seu livro ‘The Creative Destruction of Medicine’ que a revolução digital tem o potencial de transformar a medicina, permitindo um atendimento mais personalizado e acessível para todos, independentemente da localização ou da situação econômica. Eu não sei se a tecnologia é a porta de entrada para uma era de saúde democrática e acessível — porque, provavelmente, depende de outros fatores que não vêm ao caso, mas o círculo virtuoso que ela gera é irrefutável.
Talvez não seja uma porta, mas sim uma janela. E vale a pena abri-la.
*João Gabriel Stevanatto Bastos é Senior Tech Director na Globant no Brasil.