Risco de hospitalização persiste por até 210 dias após enchentes

Um grupo internacional de pesquisadores investigou os impactos duradouros de enchentes e inundações na saúde pública após o fenômeno. Os cientistas analisaram contagens diárias de hospitalização entre 2000 e 2019 em 747 cidades e comunidades na Austrália, Brasil, Canadá, Chile, Nova Zelândia, Taiwan, Tailândia e Vietnã. De acordo com a publicação, os riscos de hospitalização aumentaram e persistiram por até 210 dias após a exposição a enchentes em até dez causas específicas.

Para além das consequências diretas do contato com a água, como afogamento, eletrocussão e hipotermia, o trabalho calculou o Risco Relativo Cumulativo (RRC) para dez diferentes condições e doenças se desenvolverem na população exposta a eventos de chuvas intensas. Nos locais que enfrentaram enchentes, o risco geral de incidência de doenças aumentou 26%.

“São as doenças tardias, porque acaba a chuva mas o problema não acaba. Primeiro, vêm as febres: leptospirose, diarreia, hepatites. E depois você vai se ver em um lugar onde perdeu tudo. Em um primeiro momento você quer ficar vivo, mas depois você percebe que tudo aquilo que você conquistou foi embora. Isso não faz bem para o coração, traz estresse, tristeza, depressão, altera a nossa biologia”, aponta Paulo Saldiva, médico patologista e professor da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP).

Saldiva é um dos autores da pesquisa publicada na revista Nature Water. “Tem um pessoal que sabe fazer conta, tem um pessoal que sabe fazer modelagem estatística, e vai juntar esses enormes bancos de dados. Eu sou aquele tiozão que é médico e tenta explicar porque aquilo acontece”, brinca ele.

Foto: Ministério da Defesa – Operação Taquari 2/Wikimedia Commons

Para calcular o Risco Relativo Cumulativo (RRC) – uma medida usada para avaliar o impacto da exposição a inundações nos riscos de hospitalização ao longo de um período específico – o grupo levou em consideração os potenciais efeitos retardados da exposição a inundações na associação de longo prazo com hospitalizações.

De acordo com a pesquisa, 210 dias após a exposição à inundação o RRC foi maior para diabetes (61%); doenças renais (40%); lesões e doenças cardiovasculares (35%); câncer e transtornos do sistema nervoso (34%). Também foram identificados riscos para doenças respiratórias e digestivas (30%); doenças infecciosas (26%) e transtornos mentais (11%).

“No geral, constatamos que os riscos de hospitalização por todas as causas e por causas específicas aumentaram após a exposição a enchente por até 210 dias, exceto para hospitalizações por doenças infecciosas e transtornos mentais, onde os aumentos persistiram por cerca de 90 e 150 dias, respectivamente”, explica o primeiro autor do artigo Yuming Guo. “Devido às mudanças climáticas, cada vez mais enchentes ocorrerão, com maior duração e intensidade, devido aos eventos de precipitação extrema mais frequentes e ao aumento do nível do mar causado pelo aquecimento global”, afirma.

Países mais afetados

Segundo Yuming Guo, Professor Emérito de Saúde Ambiental Global e Bioestatística na Monash University, na Austrália, os países analisados foram escolhidos a partir de uma rede colaborativa de pesquisadores, facilitando o acesso aos dados. Já a escolha das cidades se deve à disponibilidade dos dados de chuva e de saúde na mesma cidade.

“Em geral, não temos estações meteorológicas e medidas de precipitação em todas as cidades do Brasil, por exemplo. Além disso, muitas vezes a chuva pode ser intensa em determinado bairro da cidade e no outro chover menos. Veja que selecionamos apenas os eventos de chuva intensa”, conta Micheline Coelho, uma das autoras do estudo. Médica, matemática e meteorologista, a cientista é pesquisadora na Monash University. Junto de Saldiva, ela coordena a equipe brasileira da Multi-Country Multi-City (MCC), uma rede internacional de pesquisa sobre o impacto do clima na saúde urbana.

Micheline destaca que Tailândia, Vietnã, Brasil e Austrália foram os países mais afetados pelas chuvas intensas e pelas consequências estendidas das inundações: comunidades na região nordeste de Nova Gales do Sul, na Austrália, ao longo do Rio Amazonas e na região Sul do Brasil, na Bacia do Mekong, no Vietnã, e na região sul da Tailândia experimentaram dias de inundação com mais frequência. Mas Brasil, Canadá e Taiwan apresentaram os maiores aumentos de risco para hospitalizações por todas as causas e a maioria das hospitalizações por causas específicas após as enchentes.

“No Brasil, a chuva mudou de CEP. Ela pegou regiões que antes não tinham isso; o Rio Grande do Sul, por exemplo”, diz Saldiva. Para o professor, o maior desafio brasileiro continua sendo saneamento e drenagem, especialmente em situações crônicas como a do Jardim Pantanal, na cidade de São Paulo.

“A drenagem urbana andou menos que o sistema de saúde pública. O Brasil investiu mais na organização da saúde, com programas nacionais que integram diferentes áreas do Estado. Existe um sistema de vigilância epidemiológica do qual a gente herdou o conceito de saúde pública desde a febre amarela, no século 19. Nessas situações, estamos mais preparados para auxiliar a defesa civil e montar hospitais de campanha, mas a saúde não regula a drenagem. Ela depende de ações intersetoriais e essa é uma fraqueza do Brasil” diz Paulo Saldiva.

Efeitos duradouros

Uma das hipóteses dos pesquisadores para explicar os efeitos duradouros das enchentes na saúde é a contaminação do sistema de abastecimento de água, que pode elevar o risco de doenças digestivas e ajudar na disseminação de doenças infecciosas. As inundações também criam ambientes propícios para proliferação de fungos, bactérias e vetores como mosquitos e ratos.

Apesar da superlotação dos serviços de saúde ter sido considerada como um fator de piora da saúde após as enchentes, o estudo teve um resultado inesperado: inundações mais graves apresentaram riscos menores de hospitalizações. “Esta é uma descoberta incomum, pois inundações mais graves geralmente têm um impacto maior no meio ambiente e na infraestrutura”, disseram os pesquisadores no artigo.

Uma possível razão é que inundações mais graves tiveram um impacto maior na capacidade dos sistemas de saúde e de trânsito, levando mais pacientes a nem serem internados ou a morrerem antes da internação. Outra possibilidade está na própria evacuação, com pessoas sendo internadas ou hospitalizadas em locais diferentes da comunidade onde originalmente ocorreram as enchentes.

“Cada região tem o seu problema: uma vai ser esgoto, outra vai ser declividade e moradia. Então, você tem que fazer um ajuste fino e para isso você precisa conversar com as autoridades locais. No nosso trabalho, todo mundo é cientista. É preciso passar isso para o nível da gestão”, diz Saldiva.

O artigo Hospitalization risks associated with floods in a multi-country study está disponível on-line e pode ser lido aqui. (Com informações do Jornal da USP / Texto: Tabita Said. Foto: Foto: Ministério da Defesa – Operação Taquari 2/Wikimedia Commons)

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