O debate sobre a validação da prova do CREMESP para médicos
Por Denise Priolli
A implementação de um exame obrigatório de proficiência para médicos recém-formados no Brasil tem gerado intenso debate entre profissionais da saúde, educadores e legisladores.
A proposta, que visa garantir a qualidade da formação médica e do atendimento à população, encontra tanto defensores quanto críticos, cada um apresentando argumentos válidos e preocupações legítimas.
As discussões sobre a implementação de uma prova de proficiência para médicos no Brasil não são recentes. A primeira vez que essa ideia foi formalmente debatida foi em 2004, quando o Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (CREMESP) propôs a criação de um exame para avaliar os recém-formados. Desde então, o tema tem sido objeto de debates periódicos, tanto no âmbito dos conselhos de medicina quanto no Congresso Nacional.
A ideia de implementar um exame de proficiência para médicos, semelhante ao exame da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) para advogados, está sendo proposta no Projeto de Lei (PL) nº 2294/24, de autoria do senador Astronauta Marcos Pontes (PL-SP), apoiado por pesquisa realizada pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) que revelou que 90% dos médicos formados são favoráveis à implementação do exame, pois acreditam que ele pode melhorar a qualidade do ensino médico e do trabalho dos profissionais.
O PL nº 2294/24 prevê a aprovação do médico no exame como condição para registro nos Conselhos Regionais de Medicina (CRMs) e estabelece que as provas serão oferecidas, no mínimo, duas vezes ao ano em todas as unidades da Federação do País, sendo a regulamentação e coordenação realizada pelo CFM, que muda as característica e ações que o criaram. Ao CFM competirá a regulamentação e a coordenação nacional do exame, enquanto os CRMs serão responsáveis pela aplicação das provas em suas respectivas jurisdições. Os resultados deverão ser comunicados aos ministérios da Educação e da Saúde pelo CFM, sendo vedada a divulgação nominal das avaliações individuais, salvo ao próprio participante interessado. Serão dispensados do exame os médicos já inscritos em CRM e os estudantes de medicina que ingressaram no curso antes da vigência da nova Lei.
Segundo o presidente do CFM, José Hiran Gallo, a prova avaliará competências profissionais e éticas, conhecimentos teóricos e habilidades clínicas, contribuindo para a qualidade do atendimento médico e a segurança dos pacientes. A pesquisa também indicou que 82% dos médicos formados acreditam que o exame pode melhorar a qualidade do ensino médico no Brasil, e 81% concordam que ele pode melhorar a qualidade do trabalho médico. Os defensores do exame argumentam que ele é necessário para garantir um padrão mínimo de qualidade entre os profissionais de medicina.
Com a expansão das escolas de medicina no Brasil, especialmente após a implementação do Programa Mais Médicos, houve um aumento no número de vagas e instituições de ensino. Dados da Demografia Médica no Brasil mostram que, entre 2010 e 2023, o número de escolas médicas passou de 180 para mais de 370, e o número de vagas anuais aumentou de 16.000 para mais de 35.000. A taxa de vagas de graduação em medicina por 100.000 habitantes expressa o potencial de formação de novos médicos, sendo um indicador de comparação de demografia médica entre países. Em 2022, essa razão nacional era de 19,60, comparativamente a 2012 de 9,55. Essa expansão, embora venha contribuindo para reduzir a carência de médicos em regiões remotas, também acentuou as discussões sobre a qualidade da formação oferecida. A partir de 2018, data do segundo Edital para abertura de escolas Médicas no Programa Mais Médicos, as vagas totais no interior do país superaram as das capitais somadas às das regiões metropolitanas, entretanto é apontado que muitos municípios que sediam escolas médicas apresentam déficits em parâmetros essenciais para o funcionamento desses cursos, como leitos de internação, equipes da Estratégia Saúde da Família (ESF) e hospitais de ensino, segundo os críticos da Política de Saúde do Governo.
O Conselho de Medicina, que tem sua atuação restrita sobre os formados médicos, quer ter algum papel sobre a qualidade da educação médica, entretanto, e o PL nº 2294/24 prevê a aprovação do médico no exame como condição para registro nos Conselhos Regionais de Medicina (CRMs) e estabelece que as provas serão oferecidas, no mínimo, duas vezes ao ano em todas as unidades da Federação do País, sendo a regulamentação e coordenação realizada pelo CFM, o que altera os papeis originais do CFM. Ao CFM competirá a regulamentação e a coordenação nacional do exame, enquanto os CRMs serão responsáveis pela aplicação das provas em suas respectivas jurisdições. Os resultados deverão ser comunicados aos ministérios da Educação e da Saúde pelo CFM, sendo vedada a divulgação nominal das avaliações individuais, salvo ao próprio participante interessado. Serão dispensados do exame os médicos já inscritos em altera estas responsabilidades que atualmente cabe ao Ministério da Educação (MEC) em alinhamento ao Ministério da Saúde, e não ao Conselho de Medicina. Os estudantes não podem ser penalizados por falhas no controle de qualidade das escolas médicas, cuja responsabilidade sobre a fiscalização, não lhes cabe. Instaurado em 1957, o Conselho Federal de Medicina (CFM) é uma instituição autárquica criada pela Lei nº 3.268/1957 que objetiva regulamentar e fiscalizar o exercício da Medicina no Brasil. Suas funções incluem zelar pela ética e boa prática médica, promovendo a qualidade da assistência à saúde no país e não de regular a qualidade da Educação Médica.
Outro aspecto a ser avaliado é o impacto da implementação de uma prova de proficiência vem contra a Política Nacional que tenta solucionar a carência de médicos no Brasil, em especial em regiões remotas, ao criar barreiras adicionais para a entrada de novos profissionais no mercado de trabalho. Em janeiro de 2023, o Brasil contava com 562.229 médicos inscritos nos 27 Conselhos Regionais de Medicina (CRMs), o que correspondia à taxa nacional de 2,60 médicos por 1.000 habitantes, menor que a maioria dos países desenvolvidos.
É necessário também refletir sobre justiça e equidade do processo. Para garantir a qualidade nos atendimentos médicos, haveria que se pensar não apenas na formação inicial (curso de graduação), mas também na capacitação contínua dos médicos em atividade profissional. Será que também eles não deveriam ser submetidos à mesma prova de proficiência periodicamente, garantindo a não discriminação sobre os novos formandos e a melhoria das práticas médicas? Esta função sim poderia ser implantada, pois se trata do princípio da implantação do Conselho Regional de Medicina já no ano de sua criação: a garantia do adequado atendimento médico e segurança da população em seu ato profissional. Para garantir a justiça na avaliação dos profissionais, seria necessário que todos os médicos, independentemente de sua experiência, fossem submetidos ao mesmo exame de proficiência periodicamente. Isso evitaria discriminação contra os novos formandos e garantiria que todos os profissionais estivessem atualizados com as melhores práticas médicas. A aplicação de um exame apenas para os recém-formados pode ser vista como uma medida injusta, que não considera a necessidade de atualização contínua dos médicos já atuantes.
Alternativa a avaliação de Proficiência em Medicina não punitiva, mas como processo de garantia de qualidade, seria a implementação de avaliações progressivas ao longo do curso de medicina, semelhante ao sistema utilizado nos Estados Unidos, como o teste de progresso. A origem do Teste de Progresso remonta à Kansas City School of Medicine, da Universidade de Missouri no ano de 1961, sendo posteriormente adotado pela Universidade de Limburg, em Maastricht. Foi criado com a intensão de melhorar a performance em exames de ordem com questões de múltipla escolha dos alunos dos primeiros cursos médicos calcados em Metodologias Ativas Aprendizagem, sendo também utilizado como instrumento de gestão da qualidade e autoavaliação de docentes e discentes de cursos universitários, estendendo-se para projetos colaborativos de avaliação multi-institucional de cursos de graduação e pós-graduação. Essas provas de progresso são mais eficientes para garantir a qualidade da formação médica, ao invés de gerar punições ao final do curso, pois permitem diagnósticos ainda no período de formação dos futuros médicos. Acompanhando o processo educacional desde o início, é possível identificar e corrigir deficiências na formação dos estudantes, garantindo que todos os formandos estejam preparados para exercer a profissão.
Além da preocupação com a qualidade da formação médica, há outros motivos que podem levar os médicos formados a defenderem a implementação do exame de proficiência para recém-formados. Entre eles, destacam-se o cooperativismo médico e a reserva de mercado, preocupações legítimas.
O corporativismo médico refere-se à tendência de médicos formados protegerem seus interesses profissionais e econômicos. A implementação de um exame de proficiência pode ser vista como uma forma de garantir que apenas os médicos que atendem a determinados padrões de qualidade possam ingressar no mercado de trabalho, preservando a reputação e a eficiência dos serviços oferecidos, sem que eles se submetam ao mesmo exame, o que levanta importantes questões sobre justiça e equidade. É essencial analisar como essa medida pode impactar diferentes grupos de profissionais e estudantes, bem como a qualidade do atendimento médico à população.
A exigência de um exame de proficiência como condição para registro nos Conselhos Regionais de Medicina (CRMs) pode ser vista como uma barreira adicional para os recém-formados. Esses profissionais, que já enfrentam um longo e rigoroso processo de formação, podem se sentir injustamente penalizados por falhas no controle de qualidade das escolas médicas, que são de responsabilidade do Ministério da Educação (MEC). Criado em 2004 pela Lei n° 10.861, o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (Sinaes) instituiu a avaliação sistemática das instituições de educação superior, dos cursos superiores e do desempenho dos estudantes. Com o SINAES foram estabelecidos indicadores de qualidade, complementares entre si, em que todos os aspectos são considerados: ensino, pesquisa, extensão, desempenho dos alunos, gestão da instituição, corpo docente e infraestrutura, entre outros. Deste então, o MEC é responsável pela regulação das instituições de ensino superior do sistema federal de ensino e não distingue as instituições pública e privadas. Além da avaliação documental, o processo de recredenciamento leva em conta os indicadores de qualidade resultantes dos processos de avaliação. Desta forma, a qualidade das Instituições é periodicamente avaliada.
Por sua vez, a reserva de mercado é outro fator que pode influenciar a defesa do exame de proficiência pelos médicos formados. Ao criar barreiras adicionais para a entrada de novos profissionais no mercado, os médicos já atuantes podem garantir uma menor concorrência, preservando suas posições e oportunidades de trabalho.
A implementação do exame de proficiência médica pode ser influenciada por interesses corporativistas e de reserva de mercado. Médicos já atuantes podem defender a medida como uma forma de garantir que apenas profissionais que atendem a determinados padrões de qualidade ingressem no mercado de trabalho, preservando suas posições e oportunidades. No entanto, essa abordagem pode criar barreiras adicionais para a entrada de novos profissionais, especialmente em um contexto de expansão das escolas de medicina. Isso poderá ser especialmente relevante em um contexto de expansão das escolas de medicina, onde o número de novos formandos aumenta significativamente. É preciso notar, entretanto, que a expansão vem ocorrendo em regiões com menor densidade médica, como determinado no Edital nº 6/2014 e que somente em regiões com menos de 3 médicos por 1.000 habitantes podem ser contempladas com novos cursos de medicina. Essa medida busca direcionar a formação de novos profissionais para os brancos assistencialistas, contribuindo para a redução das desigualdades na distribuição de profissionais de saúde pelo país e favorecendo a formação continuada com obrigatoriedade de abertura de Serviços de Residência Médica.
O debate sobre a implementação de um exame de proficiência para médicos recém-formados no Brasil é complexo e envolve múltiplos aspectos. Deve-se considerar a necessidade de garantir a qualidade da formação médica, pela atuação responsável de todos os órgãos envolvidos como a responsabilização do MEC, o exercício do papel do CRM, com a capacitação de médicos formados e a garantia da segurança do paciente traduzida em qualidade de atendimento. As Políticas Nacionais de Saúde com a necessária expansão das escolas de medicina objetivam reduzir a carência de médicos no país, mas devem ser acompanhadas de medidas que assegurem a qualidade da educação oferecida, a exemplo das avaliações progressivas ao longo do curso, que permitem o acompanhamento contínuo do processo educacional ainda durante a formação do médico. Somente assim será possível assegurar que todos os profissionais, independentemente de sua experiência, sendo ou não recém-formados, mantenham o padrão de qualidade e segurança devido à população. A implementação de avaliações progressivas ao longo do curso de medicina, juntamente com um acompanhamento contínuo do processo educacional, é uma solução mais eficiente e justa para garantir a qualidade da formação médica no Brasil. Dessa forma, é possível assegurar que todos os profissionais, independentemente de sua experiência, mantenham um padrão de qualidade contínuo, beneficiando tanto os médicos quanto a população que depende de seus serviços.
*Denise Priolli é diretora acadêmica de medicina da Cogna Educação.