Acesso digital ao prontuário é avanço operacional e social
Por Edson Rogatti
A saúde pública de São Paulo pode avançar de forma significativa com a apresentação do Projeto de Lei nº 108/2025, que regulamenta o acesso ao prontuário médico por meios eletrônicos e reforça o direito à informação, promovendo mais transparência, segurança e agilidade na jornada assistencial. Alinhado ao programa SUS Digital, do Ministério da Saúde, o PL é mais uma iniciativa integrada ao movimento nacional de transformação digital, que busca qualificar os serviços de saúde com foco na eficiência, equidade e ampliação do acesso.
Trata-se de um processo amplo com potencial para transformar a forma como as instituições cuidam das pessoas, permitindo que as informações clínicas estejam disponíveis de forma rápida, segura e remota para pacientes e seus representantes legais. Essa agilidade pode ser determinante para tratamentos mais assertivos e decisões clínicas mais bem embasadas. Para os hospitais filantrópicos, responsáveis por quase 60% dos atendimentos do SUS no país, o projeto representa um avanço importante, embora também apresente desafios consideráveis.
Grande parte do público atendido pela rede filantrópica são pessoas em situação de vulnerabilidade. Para esses cidadãos, o acesso eletrônico ao prontuário oferece uma grande conveniência e, mais do que isso, representa um instrumento de empoderamento. Poder acessar os próprios dados em tempo real, de qualquer lugar, por meio de dispositivos móveis ou computadores, promove inclusão digital e reduz desigualdades. Em regiões onde o deslocamento é limitado e o acompanhamento familiar depende de longas viagens, essa mudança representa um ganho concreto em autonomia e vínculo com a instituição.
Outro ponto de destaque do projeto é a conformidade com a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), garantindo que informações sensíveis sejam tratadas com sigilo e responsabilidade. No entanto, neste caso é fundamental ressaltar que muitas instituições filantrópicas, especialmente as de pequeno porte ou localizadas em áreas com infraestrutura limitada, carecem dos recursos necessários para atender plenamente às exigências legais. A adequação à LGPD exige investimento em segurança da informação, capacitação profissional e revisão de processos, o que é um desafio em um cenário de subfinanciamento.
Por isso, a implementação dos prontuários eletrônicos precisa ser acompanhada de políticas públicas que assegurem uma transição realista e equitativa. Nenhum hospital pode ficar à margem desse avanço, e a modernização deve alcançar todas as instituições, independentemente do tamanho ou localização. Dessa maneira, o apoio do poder público, com investimentos, capacitações e suporte técnico, é indispensável para viabilizar a digitalização sem comprometer a qualidade do atendimento.
Apesar dos obstáculos, essa transformação representa uma oportunidade estratégica para fortalecer a rede filantrópica. A modernização dos sistemas pode reduzir desperdícios, aprimorar a gestão de recursos, qualificar indicadores e facilitar auditorias. Além disso, melhora a comunicação entre equipes e permite um cuidado mais coordenado, especialmente em casos crônicos ou complexos. A digitalização também contribui para construir históricos clínicos mais completos, evita repetições desnecessárias de exames e favorece a continuidade do tratamento.
Ao garantir o acesso eletrônico ao prontuário, o projeto reafirma o direito fundamental do cidadão de conhecer e acompanhar a própria trajetória de saúde. Previsto no Código de Defesa do Consumidor e respaldado por resoluções do Conselho Federal de Medicina, esse direito fortalece a relação entre paciente e instituição e estimula uma participação mais ativa nos cuidados, o que contribui para melhores resultados clínicos e maior adesão às orientações.
A Fehosp acredita que a modernização é um caminho necessário e irreversível. Estamos comprometidos em apoiar os hospitais filantrópicos nesse processo, oferecendo orientação, incentivando o diálogo com o poder público e defendendo políticas que considerem as particularidades do setor. A digitalização do prontuário deve ser encarada como uma estratégia de fortalecimento do SUS, com potencial para tornar o cuidado mais próximo, seguro e justo. Para isso, é essencial que a transição respeite as diferentes realidades existentes no sistema de saúde.
Tecnologia, por si só, não transforma o cuidado. Mas, quando usada com propósito e aliada ao compromisso humano, torna-se uma ferramenta poderosa para promover uma saúde pública mais eficiente, transparente e acessível. Os hospitais filantrópicos estão prontos para seguir nessa direção, desde que contem com o apoio necessário para caminhar juntos rumo à inovação.
*Edson Rogatti é Diretor-presidente da Federação das Santas Casas e Hospitais Beneficentes do Estado de São Paulo (Fehosp).