Nova regulação da ANS: equilíbrio necessário ou risco para o setor?
A 50ª Audiência Pública da ANS reacendeu um debate crítico sobre a reformulação da política de preços no setor de saúde suplementar. A proposta da agência reguladora busca maior transparência nos reajustes, controle sobre coparticipação e franquias, obrigatoriedade da venda online e mudanças na revisão técnica dos planos individuais. No entanto, representantes do mercado alertam para o risco de insegurança jurídica, redução da concorrência e inviabilização de pequenas e médias operadoras.
A ANS pretende impedir a combinação de índices de reajuste e adotar uma metodologia única baseada na sinistralidade mínima de 75%, além de promover o agrupamento compulsório de contratos coletivos. Para o setor, essas medidas podem gerar impactos negativos, já que a sinistralidade varia conforme o porte e perfil dos clientes atendidos. Além disso, limitar a rescisão contratual ao aniversário dos contratos, salvo inadimplência ou ilegitimidade, é visto como uma restrição à liberdade negocial.
Outro ponto de controvérsia é a imposição de um teto de 30% para coparticipação e limites de exposição financeira. Segundo especialistas, essa medida pode eliminar a atratividade dos planos com coparticipação e resultar no aumento das mensalidades. Além de desestimular novas ofertas no mercado, a limitação pode favorecer a concentração entre as grandes operadoras. Da mesma forma, a obrigatoriedade da venda online foi duramente criticada, pois, além de excluir parte da população sem acesso digital, pode levar ao fechamento de operadoras menores, comprometendo a concorrência e o acesso à saúde suplementar.
A revisão técnica dos planos individuais também gerou debate. A ANS propõe novas regras para permitir reajustes excepcionais nesses planos quando houver desequilíbrio econômico-financeiro, mas o setor argumenta que essa revisão deve se limitar à carteira específica e não à operadora como um todo. O temor é que, sem regras claras e contrapartidas viáveis, muitas operadoras abandonem esse segmento, tornando os planos individuais ainda mais escassos e caros.
Diante das críticas, o Ministério Público Federal (MPF) se manifestou solicitando mais prazo para as discussões, destacando a importância de aprofundar os debates sobre impactos econômicos e jurídicos das novas normas. O MPF também questionou a efetividade da audiência pública e da consulta promovida pela ANS, alertando que não há como garantir a legitimidade desses debates se não forem acompanhados de estudos técnicos sólidos e de um espaço de diálogo efetivo com o setor. Sem essa segurança, há o risco de que as novas regras acabem sendo questionadas na Justiça, ampliando ainda mais a incerteza regulatória.
O que se desenha é um impasse: de um lado, a ANS tenta corrigir falhas do setor e ampliar a proteção ao consumidor; de outro, as operadoras denunciam uma intervenção que pode reduzir a oferta de planos e encarecer serviços. A ausência de estudos técnicos aprofundados foi um dos pontos mais criticados, e o risco de judicialização das novas regras só aumenta a insegurança do setor.
Diante desse cenário, a grande pergunta que fica é: a ANS reconsiderará as críticas e ajustará suas propostas à realidade do mercado ou insistirá em medidas que podem comprometer a sustentabilidade do setor de saúde suplementar? O futuro do segmento e o acesso à saúde privada no Brasil podem estar em jogo.
*Aline Gonçalves Lourenço é sócia Regulatório do Bhering Cabral Advogados.