Prevenção semestral de HIV se mostra eficaz e segura em diferentes grupos populacionais

Avanços científicos têm prolongado a vida de pacientes com HIV e protegido populações vulneráveis. Um dos métodos mais significativos em discussão no mundo é o desenvolvimento das Profilaxias Pré-Exposição (PrEP), medicamentos que têm se mostrado eficazes na prevenção do contágio.

Em artigo publicado na The New England Journal of Medicine, pesquisadores avaliaram a eficácia do lenacapavir, tipo de PrEP administrada semestralmente por via subcutânea, na prevenção do HIV entre homens cisgêneros que fazem sexo com outros homens, mulheres transgênero, homens transgênero e pessoas não-binárias. Realizado em 92 locais em sete países, incluindo Brasil, EUA e África do Sul, o ensaio clínico randomizado comparou o lenacapavir ao uso diário de entricitabina e fumarato de tenofovir disoproxil (F/TDF), tipo de PrEP diária disponível no Sistema Único de Saúde (SUS).

Entre os 3.265 participantes incluídos na análise, a incidência de infecção foi significativamente menor no grupo do lenacapavir, com apenas dois casos registrados, em comparação a nove no grupo F/TDF. O infectologista Ricardo Vasconcelos, pesquisador da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP) e coautor do estudo, explica que o “uso do lenacapavir a cada seis meses é mais prático do que tomar um comprimido diariamente, e comprovamos sua segurança sem eventos adversos graves”. O único efeito colateral notado foi a formação de um nódulo no local da injeção nos mais magros que retém a profilaxia para liberá-la ao longo dos meses.

“O Lenacapavir não apenas protege eficazmente contra o HIV, mas também oferece uma proteção superior à pré-exposição [ofertada hoje no SUS].” diz Ricardo Vasconcelos.

Atestar a segurança e a eficácia dessa nova opção de PrEP é um importante passo na proteção contra o HIV. Ricardo Vasconcelos, que também se envolveu nos estudos da PrEP bimestral, o medicamento intramuscular cabotegravir, conta que apesar dos avanços a disponibilização no sistema público de saúde demanda tempo para a aprovação da Anvisa e início das ações comerciais. Ele diz que a versão bimestral da PrEP teve os últimos ensaios clínicos em 2020, mas a disponibilização do medicamento no SUS continua em negociação.

Diferentes opções para diferentes perfis

Pacientes e profissionais podem ter dúvidas sobre as diferenças entre o novo método e os existentes, como as formas em que os medicamentos são administrados, por via subcutânea, intramuscular e oral – o que interfere na absorção, velocidade de ação e biodisponibilidade.

O pesquisador esclarece que, na via subcutânea, o medicamento é injetado no tecido adiposo logo abaixo da pele, sendo absorvido lentamente pela corrente sanguínea. Isso é ideal para medicamentos de liberação prolongada, como o lenacapavir, permitindo seis meses de proteção. Mesmo com essas vantagens, ele diz que o nódulo deixado pelo medicamento pode ser um empecilho aos pacientes pela questão estética. Por isso, outras opções existem.

Na via intramuscular, a injeção é feita diretamente no músculo, que apresenta maior vascularização, permitindo uma absorção mais veloz e consistente, mas com maior tempo de biodisponibilidade – adequada para medicamentos que precisam de ação rápida e duradoura. Seu efeito adverso de dor pode ser uma barreira aos que possuem hipersensibilidade.

Por outro lado, a via oral é considerada mais prática e é a mais comum. Nesse caso, o medicamento passa pelo trato gastrointestinal e pelo metabolismo hepático antes de alcançar a corrente sanguínea, o que reduz sua biodisponibilidade a rápidos picos e atrasa o início da ação, mas oferece conveniência e aceitação.

Cada via é escolhida com base na necessidade clínica, no perfil do medicamento e na condição do paciente. “Cerca de 10% dos participantes abandonaram o estudo devido à preocupação com a aparência. Alguns relataram desconforto em sentir o nódulo ou preocupações profissionais, como pessoas que trabalham com o corpo”, detalha o infectologista. Essa diversidade de tratamentos possíveis amplia, assim, as opções para prevenção do vírus conforme preocupações pessoais e a realidade específica em que a pessoa está inserida.

Vasconcelos lembra que a disponibilização na rede pública de saúde após a fase comercial provavelmente obedecerá critérios de prioridade conforme os grupos de risco em que cada pessoa se insere. “Homens gays e bissexuais jovens e pessoas trans apresentam menor adesão ao tratamento diário com comprimidos. Por isso, serão os principais beneficiados pela PrEP de longa duração. Eu apostaria nisso”, diz o médico.

Perfil epidemiológico global

Os recentes resultados foram verificados em homens cisgêneros gays e bissexuais, mulheres transgêneros e pessoas não-binárias, mas outra frente da pesquisa foi realizada em mulheres cisgêneros heterossexuais em países da África Subsaariana e obteve resultados parecidos de eficácia e segurança. Esses enfoques populacionais distintos são necessários por se tratar de uma epidemia concentrada, ou seja, existe uma população específica vulnerável ao vírus em determinados países, sendo a população LGBTQIA+ a predominante nas contaminações das Américas e Ásia; e mulheres cis heterossexuais, na África Subsaariana.

O número de novas infecções diminuiu 35% desde 2010, graças ao aumento do acesso à terapia antirretroviral e à implementação de medidas preventivas como a profilaxia pré-exposição (PrEP). No entanto, a epidemia de HIV persiste de forma desigual, com maior concentração de casos em regiões como a África Subsaariana, que responde por mais de 50% das infecções globais, e entre populações vulneráveis, como homens que fazem sexo com homens, mulheres transgênero e trabalhadores sexuais. Em 2022, cerca de 39 milhões de pessoas viviam com HIV, mas 9,2 milhões ainda não tinham acesso ao tratamento.

Apesar dos progressos, a estigmatização, o subfinanciamento e as desigualdades no acesso aos serviços continuam sendo barreiras para alcançar as metas globais de erradicação do HIV como ameaça à saúde pública até 2030. “A tecnologia de prevenção ao HIV é muito boa. No entanto, sem um empenho para expandir o acesso, não adianta. É preciso considerar questões estruturais como combate à transfobia, homofobia, educação sexual e garantia de direitos sexuais das mulheres para alcançar o objetivo de prevenção, juntamente com a tecnologia. Discriminação também transmite o HIV”, alerta Vasconcelos. (Com informações do Jornal da USP / Texto Jean Silva)

 

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