A notificação inédita da ANS e o alerta para as operadoras de saúde
Em abril deste ano, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) surpreendeu o setor ao notificar mais de 300 operadoras por apresentarem notas consideradas insatisfatórias em um dos indicadores de avaliação do órgão. O envio das notificações gerou apreensão pelo ineditismo – foi a primeira vez que a ANS oficiou formalmente as operadoras de saúde neste contexto. Com o último prazo dado pela agência para adequações encerrado em outubro, o mercado agora aguarda qual será a próxima medida do órgão. O momento, cercado de expectativa, mostra-se propício para tratar de um assunto fundamental para as operadoras: a importância da governança de dados regulatórios.
O indicador que gerou a notificação da ANS diz respeito ao batimento TISS x DIOPS – que é um cruzamento entre as informações submetidas pelas operadoras via Troca de Informação em Saúde Suplementar (TISS) e os dados financeiros reportados no DIOPS, que são dados contábeis internos das próprias operadoras. O resultado da divisão entre os valores TISS e DIOPS, idealmente deve ficar entre 0,9 e 1,1. Essas inconsistências podem significar, por exemplo, que há mais despesas reportadas que o declarado financeiramente, sugerindo possível irregularidade na transmissão de dados ou na contabilização das despesas. As operadoras notificadas foram as que, na ocasião, estavam com o resultado do indicador abaixo de 0,9.
Cabe alertar que há uma expectativa que a ANS adote esta fiscalização de maneira recorrente, em meados de março de cada ano, logo após os prazos de fechamento do envio dos dados TISS de dezembro e do envio do DIOPS do quarto trimestre do ano anterior. Além da recorrência, é provável que haja recrudescimento do monitoramento da Razão de Completude TISS, e a ANS passe a exigir regularização não só das operadoras com resultados abaixo de 0,9 como também daquelas em situação oposta, porém também insatisfatória, de resultado acima de 1,1.
Para além desse caso específico, temos aqui a oportunidade de fazer uma discussão mais ampla a respeito da necessidade de qualificar a gestão de dados das operadoras de saúde.
Primeiramente, vale ressaltar que um sistema confiável de governança de dados ajuda a minimizar riscos regulatórios. O processo permite que inconsistências, como as apontadas pelo batimento TISS x DIOPS, sejam corrigidas de forma preventiva, evitando que informações financeiras ou de atendimento apresentem lacunas.
Essa segurança é fundamental para garantir que os relatórios submetidos à ANS sejam exatos e transparentes, reduzindo a chance de notificações e penalidades que poderiam comprometer tanto a operação quanto a imagem da empresa.
Além disso, operadoras que mantêm uma governança de dados consistente são vistas como mais confiáveis e profissionais, o que pode ser decisivo no aumento de suas notas no IDSS e, consequentemente, em sua competitividade no mercado.
Alguns desses pontos foram demonstrados na prática no caso tratado inicialmente, que gerou a notificação da ANS. Naquela situação, as operadoras de saúde relataram dificuldades semelhantes, independentemente de seus portes. Entre elas, uma das principais foi a gestão do indicador: tornou-se um desafio central compreender as métricas, rastrear a origem do dado e neutralizar o descompasso entre o informado na TISS e no DIOPS. Outro problema enfrentado foi provocado pela falta de eficiência de alguns sistemas de gestão, o que dificultou a compreensão dos dados e a geração de relatórios precisos.
Além dos benefícios diretos para as operadoras de saúde, do ponto de vista dos beneficiários, a governança de dados também agrega valor ao garantir a segurança e a precisão das informações sobre tratamentos, procedimentos e cobertura. Erros na gestão desses dados podem levar a interrupções de atendimento, negação de procedimentos ou até falhas na atualização dos planos, o que gera desconfiança e prejudica o relacionamento com os clientes. Nesse sentido, a transparência e a segurança proporcionadas se tornam um diferencial importante.
Sem contar que uma estrutura sólida de dados permite que as operadoras avancem em inovação, adotando tecnologias de análise preditiva e inteligência artificial para prever demandas, personalizar serviços e reduzir desperdícios, por exemplo. No cenário atual, em que a digitalização e a personalização são crescentes expectativas dos consumidores, operadoras que integram essas práticas conseguem antecipar necessidades, melhorar a gestão de custos e proporcionar um atendimento cada vez mais assertivo.
Diante do exposto, vemos que investir em governança de dados se mostra essencial para o cumprimento de exigências normativas, sobretudo em um contexto tão complexo e com regulamentação cada vez mais rigorosa, sendo uma ferramenta estratégica que pode evitar prejuízos e fortalecer a reputação das operadoras. Apresenta-se, ainda, como um alicerce para um modelo de gestão mais ágil, confiável e centrado no beneficiário, o que pode ser o diferencial de longo prazo para o crescimento sustentável das operadoras.
*Flávio Exterkoetter é fundador e CEO da Blendus.