A influência da fonte pagadora na sobrevida dos pacientes

Por Ana Beatriz Barra

A hemodiálise é essencial para manter a vida de pacientes com falência renal, mas no Brasil os resultados em longo prazo podem variar, dependendo da fonte de financiamento do tratamento. Este foi o principal insight de um estudo que publicamos no Brazilian Journal of Nephrology, uma revista reconhecida internacionalmente e a mais lida entre os nefrologistas do país.

O estudo ratifica a percepção dos médicos que atuam na área. Apesar de reconhecermos os avanços do SUS na última década, os pacientes que dependem da diálise financiada pela iniciativa pública não vêm recebendo a atenção e os investimentos necessários para garantir a melhor sobrevida e qualidade de vida possível para os indivíduos nestas condições.

Os pacientes em diálise, além de complicações relativas à própria doença renal, frequentemente têm muitas outras doenças concomitantes que também precisam ser controladas. A complexidade desse contexto tem um enorme impacto na expectativa de vida. A maioria tem dificuldades para transplantar rapidamente, alguns têm contraindicações para o transplante, então muitos permanecerão necessitando de um tratamento de hemodiálise em uma clínica especializada, pelo menos 3 vezes por semana, durante muitos anos. Mas, tanto com base em nossos próprios dados, quanto nos dados nos dados do censo da Sociedade Brasileira de Nefrologia, estima-se que aproximadamente 40% dos pacientes em hemodiálise não sobrevivem após cinco anos de tratamento.

Nosso estudo analisou cerca de 5 mil pacientes de 21 clínicas no Brasil que recebiam a mesma qualidade de tratamento de diálise. O grupo de pacientes cujo tratamento era financiado pelo SUS, era mais jovem e tinha um menor percentual de diabéticos, uma doença que traz outros agravos aos pacientes com falência renal. Por outro lado, utilizavam mais cateteres temporários na admissão na clínica e um percentual menor tinha tido acompanhamento nefrológico na fase pré-dialítica, características que podem impor um maior risco de complicações, mesmo em longo prazo. Em uma primeira análise, a taxa de sobrevivência em cinco anos foi semelhante para pacientes do SUS (51,1% versus 52,1%). No entanto, quando foram realizados ajustes para as diferenças entre os grupos, como idade e diabetes, ter o tratamento financiado pelo SUS aumentava o risco de morte em 22%.

Essa diferença de sobrevida sugere que fatores além da qualidade do tratamento dialítico desempenham um papel crucial no risco de morte para destes pacientes. Especialmente o acesso a cuidados de saúde mais abrangentes que exigem um atendimento eficaz. Os pacientes em diálise frequentemente apresentam outras doenças, especialmente as cardiovasculares, além de uma suscetibilidade maior às infecções de diversas causas. O cuidado integrado deste paciente precisa envolver consultas com outros especialistas, exames e acesso à internação hospitalar. A falta desse suporte pode levar a complicações graves e afetar diretamente a sobrevida dos pacientes.

Para os pacientes do SUS, o desafio de acessar o sistema de saúde de forma assertiva é maior. Muitos enfrentam dificuldades em hospitalizações e em obter atendimento especializado rápido, o que pode resultar em um manejo inadequado de suas complicações e comorbidades. De fato, identificamos que apesar de uma sobrevida reduzida, os pacientes do SUS internam menos do que aqueles cujos tratamentos são financiados por convênios privados.

Além disso, os pacientes que dependem do SUS não têm oportunidade de utilizar uma terapia mais completa para substituição da função renal, a hemodiafiltração (HDF), que hoje no Brasil é somente garantida pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) para pacientes que têm convênios privados. Em um outro estudo, apresentado também pelo meu grupo, no Congresso Brasileiro de Nefrologia, que aconteceu agora em setembro, em Salvador, avaliamos um grupo de quase 9000 pacientes dialisados em 29 clínicas de diálise por um período de dois anos, e demostramos que o risco de morte, ajustado para diversas variáveis, foi 25% menor para o grupo de pacientes que realizava HDF versus aquele grupo que realizava hemodiálise tradicional. Nessa análise, essa redução de mortalidade favoreceu ainda mais o subgrupo de pacientes mais jovens.

É importante entender que esses pacientes com doença renal crônica mais jovens potencialmente ainda não desenvolveram doenças cardiovasculares graves, e, sem acesso às terapias mais modernas, tanto eles quanto o sistema de saúde público perdem grandes oportunidades. Para os pacientes, pode significar a chance de evitar complicações que representam não somente melhora da expectativa, mas também da qualidade de vida. Para o governo, trata-se de uma importante redução de custos com o tratamento de complicações como infarto, acidentes vasculares cerebrais e falência cardíaca, sem falar no impacto social. Mais saudáveis e dispostos os indivíduos em diálise mais jovens podem se manter ainda ativos e no mercado de trabalho.

Portanto, é imperativo destacar a urgência no foco na melhora do cuidado para os pacientes em diálise no Brasil. O pleito não é apenas para melhoria nas condições do tratamento, mas também garantir que todos os pacientes, independentemente da fonte pagadora, tenham acesso a cuidados de saúde de qualidade que possam prolongar suas vidas e melhorar seu bem-estar. Somente com uma abordagem mais integral e equitativa poderemos reduzir as disparidades nos desfechos clínicos e assegurar que todos os pacientes renais tenham a oportunidade de viver mais e com mais qualidade e tornar mais sustentável o financiamento do tratamento dessa doença no nosso país.


*Ana Beatriz Barra é médica nefrologista e diretora médica na Fresenius Medical Care.

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