Prazos para agendamento e consultas são as principais barreiras para o tratamento de diabetes no Brasil

A principal barreira para o acompanhamento de diabetes no Brasil é o tempo de espera tanto para agendar quanto para conseguir consultas médicas. Em 13% dos casos, o médico não sugeriu periodicidade de acompanhamento. No total, 10% não costumam passar por consultas e 6% o fazem com frequência menor do que deveriam. Isso significa que aproximadamente 2 milhões de pessoas têm acompanhamento inadequado da doença, o que reflete no descontrole da glicemia, sendo que 30% das pessoas com diabetes estão com a hemoglobina glicada superior a 7% e 42% não sabem ou não lembram do percentual. Todos estes dados são da pesquisa nacional inédita do Vozes do Advocacy em Diabetes e Obesidade – intitulada Radar Nacional sobre Tratamento de Diabetes no Brasil – realizada pela consultoria Imagem Corporativa.

Outro dado que contribui substancialmente para mostrar falta de controle do diabetes é que 58% dos participantes da pesquisa fazem acompanhamento com médicos de família, ao invés do endocrinologista, que tem especialização sobre a condição. Em decorrência desta dificuldade de acesso ao tratamento e de um acompanhamento de profissional especializado, 12% dos respondentes dizem ter retinopatia diabética, alteração da retina que pode levar à cegueira, 32% têm neuropatia diabética, 25% doenças cardiovasculares, 23% doenças sexuais, 10% nefropatia diabética e 10% feridas nos pés.

Entre os fatores pesquisados, os prazos de agendamento e consultas são os que recebem as piores notas por parte dos que referem a doença. Em ambos os casos, a média é de 4,8 numa escala que vai de zero a 10. Além disso, 54% dos entrevistados que dizem estar na fila para consulta com oftalmologista, revelam a condição por mais de três meses, sem citar o tempo de espera pelos exames e pelos tratamentos, se houver alteração da retina.

A quantidade de médicos (5,6) e a dificuldade de acesso a resultados de exames (5,5) também têm desempenho abaixo da média. A facilidade para conseguir medicamentos, (que recebe nota 6,0) figura como importante vetor, especialmente ao se considerar o valor que os entrevistados atribuem ao tema – 60% o apontam como um dos três principais fatores para o acompanhamento adequado da doença no país.

Segmentos vulneráveis da população, com menor escolaridade e renda, são os mais impactados pelas barreiras. Entre os que integram as classes D/E e entre os que se autodenominam de cor preta, por exemplo, notas médias abaixo de cinco ocorrem em boa parte dos fatores contemplados no estudo. Ainda entre os que dizem pretos, o grau de insatisfação com a quantidade de médicos e com os prazos para agendamento e consulta alcançam patamares próximos a 90%.

A posse de planos de saúde também tem correlação com os dados de avaliação. Entre os que não têm convênio, o tempo de espera recebe nota 4,3, índice que vai a 6,3 entre beneficiários. A maioria da Classe A também se mostra mais satisfeita e não dá nota abaixo de seis a nenhum item questionado na pesquisa.

Apesar das melhores notas entre beneficiários dos planos de saúde, os resultados refletem a importância de alcance e cobertura do SUS no tratamento de diabetes no Brasil:

  • 77% utilizam algum serviço gratuito para consultas, dentre os quais 72% por meio do SUS;
  • Mesmo entre os que têm plano de saúde, 26% passam por alguma consulta gratuita para monitoramento da doença;
  • Dos que têm diabetes, 31% costumam pagar por consultas, dentre eles, a maior parte por meio dos planos de saúde ou clínicas particulares mais acessíveis como Dr. Consulta;
  • 67% dos que têm diabetes fazem seus exames pelo SUS; 38% pagam por algum tipo de exame;
  • Os medicamentos gratuitos ou subsidiados pelo governo, vetor mais importante na opinião dos entrevistados, alcançam 84% dos que têm diabetes;
  • Mesmo entre os que têm plano de saúde, a grande maioria (73%) se beneficia de medicamentos gratuitos ou subsidiados;
  • Maioria (52%) consegue medicamentos nas UBSs e 44% recorrem ao Farmácia Popular.

“Os dados da pesquisa mostram como o diabetes precisa ser tratado com urgência na saúde pública. Problemas graves são apontados, principalmente pela população mais pobre, como barreiras que dificultam o acesso ao tratamento da doença no Brasil. Precisamos de mais investimentos, profissionais qualificados e atenção do poder público nessas questões”, ressalta a coordenadora do Vozes do Advocacy, Vanessa Pirolo.

Acompanhamento com especialistas e adesão ao tratamento

O Diabetes tipo 2 é o mais comum, declarado por 75% dos respondentes, enquanto o Diabetes tipo 1 é reportado por 9%. Segundo Monica Gabbay, professora e pós-doutora em endocrinologia e coordenadora do ambulatório de tecnologia em diabetes do Centro de Diabetes da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), a pesquisa traz dados muito preocupantes.

“As pessoas com diabetes no Brasil são acompanhadas na sua maioria por médicos da família ou clínicos, que nem sempre apresentam treinamento adequado para essa patologia, especialmente se considerarmos aqueles que apresentam diabetes tipo 1. Além disso, existe um fila de espera para agendamento de consulta, mesmo quando efetivada, nem sempre é seguida por orientação para acompanhamento. Considerando que mais de dois terços destes pacientes dependem do SUS e aqueles mais vulneráveis são os mais afetados na dificuldade de agendamento de consultas, exames e obtenção de medicação, é possível entender este cenário inadequado de controle glicêmico no Brasil, que resulta em complicação microvascular com comprometimento dos olhos, rins e nervos e as complicações macrovasculares, como alteração de colesterol e pressão. Isso revela a complexidade dos desafios enfrentados pelas pessoas com diabetes e sublinha a importância de um tratamento mais acessível e eficaz para todos”, destaca a especialista.

Outra condição associada, potencializada pelo acompanhamento inadequado, são os problemas de visão. “O diagnóstico precoce da retinopatia diabética é essencial para que pacientes com diabetes possam receber tratamento de forma oportuna, preservando a visão e evitando complicações irreversíveis. A triagem oftalmológica regular destes pacientes torna-se, portanto, um passo crítico, pois permite identificar e tratar precocemente alterações oculares, evitando a progressão da doença e promovendo uma melhor qualidade de vida”, afirma o Prof. Caio Regatieri, professor adjunto do Departamento de Oftalmologia da UNIFESP.

Ainda de acordo com Vanessa Pirolo, a adesão ao tratamento do diabetes e das doenças correlacionadas é muito baixa. “É necessário olhar com atenção para esses dados e identificar os gargalos que impedem o tratamento adequado não só da diabetes, mas também da obesidade, hipertensão, colesterol alto e os problemas de visão, por exemplo, começando pela maior disponibilidade de profissionais especializados nos serviços de saúde”, afirma.

Vacinação entre os que têm diabetes

A pesquisa mostrou também que a maioria (69%) desconhece vacinas especiais para pessoas com diabetes. As vacinas contra Covid e gripe têm alta adesão, enquanto 57% já se vacinaram contra hepatite. No entanto, a vacinação gratuita pelo SUS é utilizada por quase todos os entrevistados, sendo relatada por 93%. Mesmo assim vale ressaltar que 60% dos que têm diabetes nunca se vacinaram nos CRIEs (Centros de Referência de Imunobiológicos Especiais) porque nunca ouviram falar do serviço. No total, apenas 11% já o fizeram, taxa que chega a 20% entre os que dizem ter diabetes tipo 1.

“Isso só mostra a necessidade de campanhas informativas a respeito dos riscos que pacientes diabéticos têm em desenvolver formas graves de doenças evitáveis pela vacinação, bem como dos benefícios da imunização. Melhorar o acesso a esta intervenção é fundamental para alcançar o benefício”, salienta Renato Kfouri, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm).

Perfil dos que referem diabetes

Segundo o estudo, a maioria dos que declaram ter diabetes integram a Classe C (52%) e têm renda familiar mensal de até 2 salários-mínimos, ou seja, cerca de R$2.824. No total, pretos e pardos somam 52% dos respondentes e a ocorrência de mulheres é um pouco superior à média da população (58% contra 51%, respectivamente).

Apenas 24% têm plano de saúde, sendo o índice mais comum entre os que têm renda superior a 5 salários-mínimos, cuja posse de plano salta para 80%, o que aprofunda desigualdades no acesso a acompanhamento adequado da doença. A maioria (58%) tem apenas nível fundamental de escolaridade, reflexo da participação importante de idosos entre os que têm diagnóstico referido da doença.

A maioria das pessoas com diagnóstico de diabetes tem mais de 60 anos (56%) e 42% têm entre 30 e 59 anos. O envelhecimento da população é um dos principais desafios para o controle de diabetes no Brasil e deve pressionar ainda mais o sistema público de saúde. A prioridade deve ser adequar oferta de serviços à demanda. Caso contrário, barreiras de hoje, como gargalos no atendimento, falta de medicamentos e de médicos tendem a se agravar à medida que a população idosa aumentar.

Metodologia

A pesquisa foi realizada com uma amostra quantitativa com 1.843 pessoas da população adulta (com 18 anos ou mais) com diagnóstico referido de diabetes, de 1º de julho a 22 de agosto de 2024. O levantamento foi coordenado pelo núcleo de Pesquisas e Tendências da Imagem Corporativa, e a coleta dos dados foi realizada pelo Instituto Qualibest por meio de painel online do universo correspondente.

A margem de erro é de 2 pontos percentuais para mais ou para menos no total da amostra, enquanto o nível de confiança é de 95%. Na fase de processamento, os dados foram ponderados segundo perfil dos que têm diabetes na Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), do IBGE, de 2019 e dados de posse de planos de saúde, segundo a ANS.

A Pesquisa teve apoio de AstraZeneca, Bayer, Boehringher, Genom, GSK, Medtronic, NovoNordisk, Roche e Servier.

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