Internações por Doença Falciforme crescem 47% no país; população negra é a mais afetada
As internações por doença falciforme cresceram 47% no Brasil entre 2012 e 2023, atingindo o auge da série histórica nesse último ano, com 14.946 internações. Essa é uma das conclusões do Boletim Çarê-IEPS n. 5 – Internações e mortalidade por Doença Falciforme segundo raça/cor (2012-2023) elaborado por pesquisadores da Cátedra Çarê-IEPS, uma parceria entre o Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS) e o Instituto Çarê.
Do total das internações por Doença Falciforme com registro de raça/cor, 74,7% são de pessoas negras, sabidamente as mais afetadas pela condição. Para Manuel Mahoche, pesquisador da Cátedra Çarê-IEPS e um dos autores da pesquisa, o aumento das internações por essa condição revela a importância de ações de vigilância que focalizam o cuidado em saúde da população negra.
“O aumento das internações pode revelar falhas críticas no sistema de saúde, como a falta de diagnóstico precoce e de atenção especializada. Por isso, é imperativo que as ações de vigilância e políticas de saúde sejam direcionadas de forma eficaz para a população, de modo a prevenir complicações graves e reduzir a necessidade de hospitalizações”, afirma o pesquisador.
As internações pela doença atingiram um pico em 2023, com 14.946 registros, seguido por 2019 e 2022, com 14.586 e 14.165 casos, respectivamente. Segundo o boletim, a queda dos registros nos anos de 2020 e 2021 pode refletir um impacto da crise sanitária de Covid-19 no total de internações.
Apesar de uma evolução gradual nos números totais e nas médias diárias de casos registrados, a pesquisa destaca que o aumento nos registros de ocorrências do Sistema de Informações Hospitalares (SIH) também pode contribuir para a explicação desse cenário.
74,7% das internações por Doença Falciforme no Brasil são de pessoas negras; internações entre crianças e adolescentes se destacam
Do total geral de internações por Doença Falciforme entre 2012 e 2023, 22% dos registros não possuíam identificação racial. No restante, 74,7%, ou 82.289 casos, foram de pessoas negras, 25,3% de pessoas brancas e pouco mais de 1% registrados como amarelos ou indígenas.
Em números absolutos, a média mensal de internações da população negra é quase três vezes maior do que a da população branca, com 571 e 193 internações, respectivamente. Segundo o boletim, a diferença é, de certa forma, esperada, pois é amplamente conhecido que a condição genética da doença afeta mais a população negra.
A pesquisa também revela que aproximadamente 50% das internações por Doença Falciforme no Brasil são de crianças e adolescentes de até 14 anos. Proporcionalmente, 21,6% são entre crianças de 0 a 4 anos, 15,2% entre 5 e 9 anos e 12,2% entre 10 e 14.
Mortalidade por Doença Falciforme também cresceu nos últimos anos
O boletim apresenta a comparação da mortalidade por Doença Falciforme com outras doenças de notificação compulsória de interesse nacional incluídas no sistema de vigilância do Ministério da Saúde, como dengue, leishmaniose, tétano, febre maculosa, coqueluche e febre amarela.
A Dengue é a doença com o maior número de óbitos entre 2012 e 2023. Em segundo lugar está a Doença Falciforme, com 5.632 óbitos totais e média de 469 mortes por ano no período analisado. Mesmo com uma tendência estável, as mortes por essa condição aumentaram nos últimos anos, com 447 óbitos em 2012, 410 em 2013, 537 em 2022 e 588 em 2023.
A média mensal de mortes da população negra por Doença Falciforme é 4,8 vezes maior do que a da população branca. Enquanto a população negra possui uma média de 30,4 óbitos por mil habitantes, a da população branca é de 6,28 óbitos.
O boletim destaca que os resultados de internações e mortalidade por Doença Falciforme reforçam a necessidade de políticas para reduzir as desigualdades raciais e ampliar o acesso aos cuidados de saúde tanto para tratamento, quanto para monitoramento e vigilância da doença.
Altair Lira, coordenador da área científica saúde da população negra da Associação Brasileira de Pesquisadores Negros (ABPN) e um dos autores do boletim, reforça a importância da pesquisa neste cenário. “Este boletim foi elaborado em um momento significativo, quando o Ministério da Saúde regulamenta a notificação compulsória para a doença falciforme e quando o foco na atenção integral às pessoas com a doença estabelece-se como ponto crucial no enfrentamento do racismo na saúde. É um passo que coloca a pessoa com a doença como centro do cuidado”, afirma.
O avanço, segundo o pesquisador e o Boletim Çarê-IEPS n. 5, foi a emissão da Portaria n. 2.010/2023 pelo Ministério da Saúde, que incluiu a Doença Falciforme na Lista Nacional de Notificação Compulsória de Doenças, Agravos e Eventos de Saúde Pública nos serviços de saúde.