Estudo revela proteína associada à resistência de tumor cerebral
Pela primeira vez, pesquisadores descobriram por que alguns pacientes com glioblastoma, o tipo mais agressivo e letal de câncer no cérebro, não respondem ao tratamento convencional com radioterapia. A resistência está ligada, entre outros fatores, a uma proteína chamada HJURP, previamente conhecida por seu papel na organização de estruturas de DNA e no controle da divisão celular.
“Descobrimos que a HJURP ajuda a reparar os danos causados ao DNA das células tumorais que, por sua vez, são altamente dependentes dessa proteína”, explica Rodolfo Serafim, autor do estudo realizado na Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Unesp, em Araraquara, e que foi publicado na revista científica Oncogene, do grupo Nature.
Embora não seja tão frequente, tumores cerebrais são extremamente letais, sendo o glioblastoma o tipo mais comum. Atualmente, os tratamentos disponíveis, como quimioterapia e radioterapia, são paliativos, prolongando a sobrevida dos pacientes por apenas alguns meses.
“No tratamento com radioterapia, a radiação ionizante visa causar danos ao DNA e promover a morte das células cancerígenas. No entanto, em pacientes que têm alta expressão de HJURP, o tratamento perde eficácia, pois descobrimos as células tumorais reparam as lesões de forma mais eficiente, permitindo que o câncer continue a se desenvolver”, esclarece Valeria Valente, professora do Departamento de Análises Clínicas da FCF e orientadora do estudo.
A HJURP é fundamental para o funcionamento das células saudáveis, desempenhando uma importante função fisiológica. No entanto, em células tumorais, o nível de expressão dessa proteína se eleva significativamente. Esse aumento é específico dos tumores, e não ocorre em tecidos normais. “Através de análises computacionais em bancos de dados internacionais que reúnem informações sobre a expressão gênica em diferentes tipos de tumores, conseguimos correlacionar os níveis de expressão da HJURP com a resposta dos pacientes com tumor cerebral aos tratamentos”, conta Valeria.
De acordo com os pesquisadores, descrever pela primeira vez essa nova função da HJURP abre uma perspectiva promissora para o tratamento do câncer, já que a expressão elevada dessa proteína também é associada a outros tipos da doença, como os cânceres de mama e próstata. Espera-se, assim, que os níveis de HJURP possam ser utilizados como um biomarcador para determinar a eficácia da radioterapia em pacientes específicos. Valeria explica que uma das etapas do tratamento de câncer frequentemente envolve a remoção do tumor, o que permite a análise do tecido para avaliar a expressão da HJURP. “Ainda não temos essa análise genética incorporada de forma rotineira, mas acreditamos que esse estudo pode ajudar a mudar essa realidade”, comenta a docente.
Outra perspectiva promissora do trabalho é o desenvolvimento de inibidores da HJURP, que futuramente poderiam ser combinados com a radioterapia, bloqueando a capacidade das células tumorais de se regenerarem após o dano ao DNA. “Nosso próximo passo é explorar essa possibilidade de inibição da HJURP para aumentar a eficácia do tratamento e, potencialmente, melhorar a sobrevida dos pacientes”, afirma Rodolfo.
Como a pesquisa foi desenvolvida – Para chegar até a descoberta, os pesquisadores utilizaram uma metodologia capaz de induzir quebras de DNA em pontos específicos do genoma das células tumorais. Isso foi feito utilizando diferentes abordagens que permitiram tanto a criação de danos mais distribuídos por todo o genoma quanto a concentração de danos em regiões específicas, semelhantes a um “alvo” localizado. A partir dessas quebras induzidas, foi possível observar como as células tumorais respondiam ao dano.
Um dos principais parâmetros analisados foi o comportamento das proteínas envolvidas na sinalização do dano celular. Essas proteínas são ativadas e enviadas ao local da lesão para alertar a célula de que há um problema e, em seguida, recrutam a maquinaria necessária para iniciar o reparo do DNA. A equipe então modulou a atuação da proteína HJURP — o foco do estudo — em diferentes linhagens celulares. Algumas células foram manipuladas para expressar altos níveis de HJURP, enquanto outras tiveram a expressão da proteína reduzida ou silenciada.
Ao submeter essas células a danos no DNA, os pesquisadores observaram respostas distintas. As análises confirmaram que a ausência de HJURP compromete o processo de reparo, enquanto sua presença facilita a correção dos danos no DNA, promovendo a sobrevivência das células tumorais. “Conseguimos identificar os eventos de reparo que ocorriam ao redor das quebras de DNA e observamos que a HJURP era recrutada diretamente para esses locais de dano”, explica Valeria.
Durante seu doutorado sanduíche no Dana-Farber Cancer Institute, em Boston, Serafim teve acesso a ferramentas tecnológicas avançadas que permitiram distinguir as funções da HJURP no reparo de DNA. A pesquisa foi conduzida utilizando modelos celulares, com linhagens de células tumorais isoladas e cultivadas em laboratório. Essas linhagens permitiram um ambiente controlado para analisar as respostas celulares e avançar na compreensão de como a proteína HJURP contribui para a resistência das células tumorais aos tratamentos.
De acordo com a professora da FCF, um dos próximos passos é investigar a relação dessa proteína com a resistência à radiação em outros tipos de tumores. Além disso, a equipe de Valeria pretende explorar se essa proteína também está envolvida na resistência à quimioterapia.
A pesquisa foi financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), através dos projetos 2022/09066-3, 2013/13465-1, 2018/05018-9), Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), contando com a colaboração de parceiros internacionais, como o professor Brendan Price, especialista em reparo de DNA, cuja expertise foi fundamental para a conclusão do estudo.