Planos de saúde, saúde e psiquiatria: um desafio assistencial
Por Licínio Ratto
Saúde não significa apenas ausência de doença. Por definição, saúde se entende por bem-estar físico, psíquico e social. Dentro desta visão, a saúde no Brasil está doente há muito tempo e pode piorar. A crise no setor é de conhecimento de toda sociedade. Entretanto, pouco se fala do processo que tem sido particularmente prejudicial a uma significativa parcela da mesma.
As pessoas que perdem o plano de saúde, antes pagos pelas empresas onde trabalhavam, não conseguem arcar com um novo seguro saúde, salvo algumas exceções.
Desta forma, caberá ao serviço de saúde público, o SUS, assumir o atendimento destas pessoas. Tal qual as operadoras de planos de saúde, o SUS foi obrigado a fazer convênios com a rede particular de hospitais e clínicas e, assim, assistir pacientes que antes eram atendidos pelos planos.
As clínicas particulares têm travado verdadeiras batalhas no campo gerencial para compatibilizar custos crescentes com receitas estagnadas. A qualidade de seus serviços, muitas vezes, é comprometida. Muitos hospitais gerais com várias especialidades alocadas aos mesmos, passam por dificuldade na execução de procedimentos médicos.
Na psiquiatria é especialmente preocupante, em função das características desta especialidade. A demanda crescente de clientes portadores de transtornos mentais, a tendência à cronicidade das doenças mentais, a incidência alarmante de dependência química e poucos serviços disponíveis para o atendimento desta clientela, são questões de conhecimento da sociedade.
A psiquiatria moderna exige equipe interdisciplinar na relação com a família e o paciente, num trabalho insano para conseguir resultados efetivos. Só quem viveu 50 anos acompanhando a evolução das terapias psiquiátricas, entende o significado da equipe multidisciplinar.
Geralmente as operadoras dos planos de saúde credenciam serviços psiquiátricos e pagam a diária e a medicação. Procedimentos como terapia de grupo, terapias individuais de paciente ou família, reunião nuclear e outros, não são contemplados.
As equipes multidisciplinares têm a preocupação de transformar seres humanos em pessoas. As operadoras têm uma visão estritamente econômica da psiquiatria, sem considerar o bem-estar físico, psíquico e social do paciente. Assim, é possível prever a sobrevivência das clínicas psiquiátricas de menor custo.
Todos seus atores (segurados, prestadores de serviço e planos) estão insatisfeitos. Os prestadores de serviço são submetidos a uma rotina de atrasos nos pagamentos dos serviços prestados, além do congelamento dos seus preços.
Entendemos ser urgente um encontro entre os protagonistas (sociedade de psiquiatria, operadoras de planos de saúde, ANS, prestador de serviço) para juntos encontrarmos uma saída para a especialidade. Manter a qualidade de serviços psiquiátricos em meio a este cenário, quando não se tem uma parceria financeira/econômica, é o desafio que a psiquiatria enfrenta diariamente.
Vale ressaltar que em cidades como Rio de Janeiro, São Paulo e outras do mesmo porte, o atendimento psiquiátrico de 70% da população é promovido pelo setor privado. Seria uma catástrofe com repercussão insuportável para o SUS, a eliminação do setor privado.
Clínicas, hospitais psiquiátricos e serviços de saúde sofrem com reajustes inferiores aos seus procedimentos para manutenção do trabalho. Antes da falência, a venda se torna imperiosa.
E assim, o Brasil vai vivendo o desafio de oferecer a população a assistência psiquiátrica digna que merece.
*Licínio Ratto é psiquiatra e diretor fundador da Casa de Saúde Saint Roman.