Tendências tecnológicas: impactos para o ecossistema da saúde

Por Marina Franco

A rápida evolução tecnológica no setor de saúde está moldando o futuro da prestação de cuidados, proporcionando avanços significativos. Diante da digitalização acelerada pela pandemia somada à democratização da inteligência artificial, a tecnologia em saúde ganha destaque e vem liderando grandes transformações, mas ainda tem importantes desafios a superar. Este artigo explora as tendências emergentes em tecnologia, bem como as oportunidades que o setor de saúde deve surfar em 2024.

1. Digitalização: a crise da Covid-19 deixou um legado na adoção de soluções digitais, como a telemedicina e o monitoramento remoto. Ambas trouxeram benefícios substanciais e vem revolucionando a eficácia dos cuidados. No entanto, ainda há muito o que se fazer no que diz respeito à digitalização das informações dos pacientes. Segundo dados de 2021 da pesquisa CETIP, a adoção de Prontuário Eletrônico do Paciente já ocorreu em 89% dos estabelecimentos de saúde, porém 84% referem-se apenas às informações cadastrais.

Este percentual é bastante reduzido quando relacionado a outras informações clínicas, como diagnóstico, problemas ou condições de saúde, resultados de exames e prescrições médicas. A ampla adoção de sistemas eletrônicos de registro, bem como a estruturação e garantia da qualidade dos dados será fundamental para os próximos passos dessa evolução tecnológica, não só para viabilizar a integração dos dados de saúde, mas para potencializar o uso da inteligência artificial, com taxas de sucesso significativas no que diz respeito à predição de comorbidades e automação de algumas etapas na jornada do cuidado.

2. Avanço da Inteligência Artificial para o cuidado e eficiência operacional. O uso da IA na área da saúde já está revolucionando as práticas médicas e, no próximo ano, será visto uma grande ampliação da sua adoção em casos de uso como: diagnóstico assistido por IA, algoritmos avançados e aprendizado de máquina para a detecção de doenças, na radiologia, a identificação de lesões em imagens com rapidez e precisão e na análise de dados genéticos, a prevenção de riscos de doenças hereditárias. O tratamento personalizado, baseado em algoritmos, também adaptará terapias específicas para cada paciente, considerando características genéticas e estilo de vida, revolucionando especialmente a oncologia.

Um outro grande desafio para o qual a IA trará relevante contribuição está relacionado à viabilidade econômica do sistema de saúde. O setor de saúde suplementar, por exemplo, apurou prejuízos operacionais alarmantes, que somaram cerca de R$ 4,3 bilhão ainda no primeiro semestre de 2023, de acordo com a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Os grandes players deste mercado focarão na busca pelas grandes oportunidades de eficiência operacional com IA para adoção de uma abordagem multialavancada de crescimento nos próximos anos.

No entanto, ainda é necessário endereçar os desafios éticos, regulatórios e de privacidade, além do viés algorítmico. O Gartner traz como tendência o conceito de AI TRiSM, que significa gestão da confiança, risco e segurança da IA e dá suporte à governança do modelo de IA, confiabilidade, imparcialidade, segurança, robustez, transparência e proteção de dados. A previsão é que até 2026, as empresas que aplicam controles TRiSM às suas plataformas de IA aumentarão a precisão de sua tomada de decisões, eliminando 80% de informações falhas e ilegítimas.

3. Intensificação da estratégia contra fraudes. Figurando como um dos principais desafios para a saúde suplementar, as fraudes causaram perdas estimadas entre 30 e 34 bilhões de reais às operadoras de saúde ao longo de 2022, informou o IESS (Instituto de Estudos da Saúde Suplementar), com base em pesquisa realizada pela Ernst & Young.

O Brasil, menos equipado com ferramentas para dificultar a vida dos fraudadores e identificar atividades ilícitas, avançou em 2023 e certamente seguirá fazendo importantes investimentos em tecnologias antifraude, com grande potencial de redução de despesas. Além disso, é necessário que haja uma forte atuação do órgão regulador e do poder legislativo, no que diz respeito ao endurecimento das leis para as diversas modalidades de fraude praticadas.

4. Cultura ciber e proteção de dados. Os ataques cibernéticos na saúde aumentaram e, com isso, exige investimento em estratégias robustas. Dados da Apura Cyber Intelligence S/A mostra que, no primeiro semestre de 2023, em todo o mundo, 10,9% dos ataques cibernéticos foram direcionados para o setor de saúde; no Brasil a porcentagem foi ainda maior, de 12%.

A indústria tem sido um alvo primário para os cibercriminosos devido à natureza sensível dos dados que ela lida. Priorizar investimentos em segurança, educação, redes segregadas e conformidade com regulamentações são passos fundamentais para enfrentar esse desafio. O Gartner prevê que até 2026, as organizações que priorizarem seus investimentos em segurança, com base em um programa de gestão contínua de exposição à ameaças, perceberão uma redução de dois terços nas violações. Recomenda-se a adoção de uma abordagem de gestão contínua de exposição a ameaças para ajustar continuamente as prioridades de otimização da segurança cibernética.

5. Interoperabilidade. O Brasil é visto como referência para vários países na implementação do Open Finance, e o conceito Open Health tem sido protagonista em muitas rodas de discussão do ecossistema de saúde, mas ainda enfrenta desafios na implementação, especialmente em um contexto regulado pela LGPD.

É previsto que o Ministério da Saúde evolua neste ano com o tema, cujo objetivo inicial será estimular a concorrência entre os planos de saúde e promover maior qualidade no acesso à contratação deste tipo de serviço. Como no setor financeiro, o Open Health deve funcionar mediante o consentimento do titular dos dados, que poderá optar por compartilhar informações cadastrais do plano de saúde. Isso facilitará a contratação de serviços privados de saúde e aprimorará a portabilidade de carências ao trocar de plano.

Sobre o compartilhamento de dados de saúde e registros médicos, ainda serão necessárias profundas discussões, por se tratarem de dados sensíveis, mas superar essas barreiras será vital para eliminar ineficiências e melhorar a qualidade do atendimento e do cuidado.

6. Educação com gamificação para prevenção. A prevenção segue sendo a medida mais barata e eficaz para a sustentabilidade do sistema de saúde. Nesse contexto, a educação com gamificação ganha destaque na estratégia deste ano em muitas instituições, impulsionada pela crescente adoção de smartphones e a ampla oferta de internet. Essa abordagem oferece um potencial promissor para engajamento dos pacientes de maneira única, incutindo um sentido de responsabilidade nas suas decisões de saúde.

Na obstetrícia, por exemplo, a educação perinatal será cada vez mais uma importante aliada na prevenção de doenças gestacionais e contribuirá para melhores desfechos de saúde no parto. Com a gamificação, aumenta-se o conhecimento, a confiança e a preparação das gestantes para o parto, fortalecendo o protagonismo da mulher na tomada de decisão e a prevenção de complicações com a adesão aos cuidados pré-natais adequados.

Prevê-se um crescimento de mais de 20% entre 2023 e 2030 no mercado mundial de plataformas de gamificação para a saúde, à medida que impulsiona a educação para prevenção de doenças e amplia os cuidados de saúde, o seu potencial para revolucionar o envolvimento e os resultados dos pacientes continua a ser uma faceta promissora das tendências modernas da tecnologia na saúde.

Conclusão

Em síntese, as perspectivas delineadas para a tecnologia em saúde em 2024 enfatizam sua capacidade de alavancar a eficiência operacional do setor, minimizar riscos e elevar os resultados assistenciais. Enfrentar esses desafios não apenas pavimentará o futuro da prestação de cuidados, mas também promoverá uma mudança fundamental na abordagem da saúde, fornecendo soluções integradas e eficazes para os principais dilemas do setor.


*Marina Franco é vice-presidente de Engenharia na Healthtech Theia.

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