Qual o cenário brasileiro diante das doenças neurodegenerativas?
O envelhecimento populacional no Brasil intensifica a incidência dessas doenças, com desafios adicionais de desigualdade no acesso ao diagnóstico e terapias de ponta. Embora apresentem diferenças nas manifestações, a doença de Alzheimer e a doença de Parkinson compartilham fatores de risco relacionados ao envelhecimento, predisposição genética e mecanismos celulares comuns (p. ex., estresse oxidativo). A doença de Parkinson afeta um número crescente de brasileiros, com estimativas variando de 200 mil a mais de 530 mil pessoas, e espera-se que mais de um milhão de casos sejam registrados até 2060. Enquanto a doença de Alzheimer tende a quase quadruplicar os casos até 2050, atingindo cerca de 6 milhões de pessoas. Assim, a demora na detecção dessas doenças pode acarretar maior dificuldade para controle de sintomas e agravos da doença, caracterizando um dos principais desafios enfrentados pelas pessoas que convivem com essa condição.
Doença de Alzheimer (DA): da detecção ao tratamento
A doença de Alzheimer é a forma mais comum de demência neurodegenerativa. É caracterizada pelo acúmulo de placas extracelulares de β‑amiloide e emaranhados intracelulares de tau fosforilada, levando à morte neuronal e atrofia cortical, especialmente nas regiões temporal mesial e hipocampal. A despeito da apresentação clínica, essas alterações começam anos antes dos sintomas, abrindo janela para intervenções precoces.
Características clínicas típicas
Sintomas iniciais geralmente envolvem alterações de memória episódica (recordar fatos recentes) e dificuldade para aprendizado de novas informações. Já os sintomas evolutivos comprometem outros domínios cognitivo como: dificuldades no raciocínio, linguagem (anomia, fluência), orientação, funções executivas e alterações comportamentais/psiquiátricas. Assim, a DA pode ser caracterizada desde estágios subclínicos, de declínio cognitivo subjetivo (DCS) e declínio cognitivo leve (DCL), que geralmente denotam problemas sutis e com paciente ainda funcional, a quadros de DA moderada, mais evidentes no cotidiano, e grave, quando já existe uma dependência global.
Diagnóstico precoce
O consenso da Academia Brasileira de Neurologia adota critérios clínicos atualizados que combinam avaliação cognitiva funcional, avaliação neuropsicológica, exclusão de outras causas possíveis e tratáveis e exames complementares, como neuroimagem e biomarcadores, para diagnóstico de Alzheimer típico e atípico no Brasil.
Biomarcadores modernos (em pesquisa ou uso restrito):
– Liquor: dosagens de Aβ42, tau total e tau fosforilada.
– Sangue: dosagens séricas de Aβ42/Aβ40 e p-tau (p-tau181, p-tau217) – ainda enfrentam desafios quanto à padronização e sensibilidade, porém, podem oferecer uma alternativa menos invasiva, mais acessível.
– PET amiloide e PET tau.
– PET-FDG: analisa hipometabolismo em áreas específicas.
– Ressonância magnética com volumetria: avalia atrofia hipocampal e cortical.
Esses biomarcadores fazem parte da estrutura ATN (que avalia: A = amiloide, T = tau, N = neurodegeneração) para caracterização da DA biológica.3,4
Tratamentos disponíveis hoje (mundo e Brasil)
– Terapias sintomáticas (modulação cognitiva): envolvem os inibidores de colinesterase: donepezila, rivastigmina, galantamina – atuam modestamente, melhorando escores cognitivos e funcionais em alguns pacientes. Também há a memantina (antagonista NMDA) para estágios de moderado a grave da DA.
– Terapias modificadoras de doença, tais como os anticorpos monoclonais antiamiloide (p. ex., donanemabe, já aprovado no Brasil pela Anvisa) – promovem redução de placas de beta-amiloide, embora com benefício funcional ainda modesto e não curativo.6
– Outros fármacos antitau e combinados ainda estão sob estudo intensivo.
– Terapias não farmacológicas: sempre indicadas, envolvem a estimulação cognitiva, reabilitação, controle de comorbidades cardiovasculares e de estilo de vida saudável, principalmente exercício físico, dieta e sono.

Doença de Parkinson (DP): do reconhecimento aos desafios do tratamento
A DP é uma doença neurodegenerativa caracterizada pela degeneração de neurônios dopaminérgicos na substância negra pars compacta, levando à deficiência dopaminérgica no corpo estriado e repercussão nos circuitos motores e não motores.7 O acúmulo de agregados de α‑sinucleína (corpos de Lewy) é marca patológica central da doença.8 Diante disso, a DP não é apenas uma doença motora, mas engloba uma série de comorbidades (cardíacas, gastrointestinais e psiquiátricas) que podem anteceder o diagnóstico motor.
Características clínicas e manifestações
São marcadas pelos sintomas motores e não motores. Os motores clássicos envolvem o tremor de repouso, geralmente de alta amplitude e baixa frequência “como contar moedas”; a bradicinesia; a rigidez e a instabilidade de marcha/postural. Os sintomas não motores precoces são a constipação intestinal, os distúrbios do sono (principalmente a alteração comportamental do sono REM), alterações olfativas (hiposmia/anosmia), disfunção autonômica (hipotensão), depressão, ansiedade e comprometimento cognitivo leve. Ao longo da evolução, muitos pacientes podem desenvolver a demência de Parkinson (PDD), com prejuízo cognitivo que compromete a vida cotidiana.
Diagnóstico precoce e biomarcadores emergentes
O diagnóstico clínico clássico é baseado nos sintomas motores e na resposta à levodopa, com exclusão de causas secundárias. Contudo, a tendência é detectar alterações não motoras e biomarcadores para diagnóstico mais precoce, antes da manifestação motora plena (fase prodrômica). De forma interessante, há pesquisas com aprendizado de máquina em neuroimagem para identificação precoce de DP.
Tratamentos disponíveis – no Brasil e no mundo
O tratamento sintomático motor é dado principalmente com levodopa (dopa + inibidor de dopa-descarboxilase), sendo o padrão‑ouro e a medicação mais clássica usada na DP, seguidos de agonistas dopaminérgicos, inibidores de MAO-B, inibidores de COMT e amantadina, por vezes em monoterapia ou terapias combinadas.
O tratamento cirúrgico da DP envolve principalmente o DBS (Deep Brain Stimulation – Estimulação Cerebral Profunda), que envolve a implantação de eletrodos em áreas específicas do cérebro, e, mais recentemente, o HIFU (High-Intensity Focused Ultrasound – Ultrassom Focado de Alta Intensidade), já aprovado no Brasil, uma técnica não invasiva que usa ondas de ultrassom concentradas para lesionar seletivamente pequenas áreas do cérebro envolvidas nos sintomas motores do Parkinson.
Estudos vêm investigando estratégias para reduzir o acúmulo de alfa-sinucleína, restaurar a função mitocondrial e proteger os neurônios da degeneração. Imunoterapia, terapia gênica e o uso de fatores neurotróficos estão entre as abordagens mais promissoras em desenvolvimento. No entanto, ainda há um longo caminho até que essas terapias estejam disponíveis de forma ampla.
Desafios e a importância da detecção precoce das doenças neurodegenerativas
Os desafios, especialmente no Brasil, ainda são muitos. A desigualdade no acesso aos diagnósticos avançados, a limitação da rede pública para tratamentos de ponta e a ausência de políticas públicas integradas para doenças neurodegenerativas dificultam o manejo ideal dos pacientes. Muitos ainda recebem o diagnóstico tardiamente, quando os recursos terapêuticos já são limitados. A maioria dos tratamentos de alta complexidade está disponível apenas nos grandes centros urbanos e, muitas vezes, fora do alcance de quem mais precisa.
Investir em diagnóstico precoce, capacitação profissional e estruturação da rede de atenção é fundamental. Além disso, incentivar a pesquisa translacional, que conecta a ciência básica ao cuidado clínico, pode ajudar a acelerar a chegada de inovações ao cotidiano do paciente. Estratégias preventivas, baseadas em estilo de vida saudável, rastreamento e identificação de biomarcadores, também devem fazer parte das políticas públicas de saúde.
Em resumo, tanto a Doença de Alzheimer quanto a Doença de Parkinson são doenças progressivas, debilitantes e incuráveis, com início muitas vezes silencioso. Representando assim, um imenso desafio social e médico, com necessidades cada vez maiores de diagnóstico precoce, uso de biomarcadores e neuroimagem para transformar o manejo clínico desses pacientes e desenvolvimento de tratamentos modificadores.
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