O aumento dos custos assistenciais é causado, entre outros motivos, pela falta de investimento em atenção primária e prevenção, pelo envelhecimento populacional, pela incorporação de novas tecnologias e por um fator cujo peso tem sido bastante negligenciado: o cuidado inseguro no Brasil.
A OMS reconheceu o problema como desafio global, principalmente, nos países em desenvolvimento, afirmando que os esforços empreendidos nos últimos 15 anos não produziram mudanças substanciais. No Brasil, os eventos adversos (que causam danos aos pacientes) notificados à Anvisa pelos serviços de saúde chegaram a 370.000 em 2023, e a subnotificação é alta. Quase 50% desses eventos são evitáveis, segundo a própria OMS. Também somos um dos poucos países do mundo ocidental que não tem uma lei de direitos do paciente, com o projeto de lei 2242/2022, que estabelece o Estatuto dos Direitos do Paciente, há tempos em tramitação no Senado Federal.
A relação entre esses números e os prejuízos financeiros (e de reputação) para as instituições, além dos danos materiais e morais de pacientes e familiares deveria pautar uma agenda nacional urgente e permanente em prol do estabelecimento de uma política de cultura da segurança do paciente. Mas, por tudo que ainda assistimos nos noticiários, o despertar para a real dimensão do problema vem ocorrendo a passos muito lentos. O sistema de saúde, de certa forma, resiste em aceitar que investir em segurança do paciente é receita de sucesso para aumentar os lucros. Isso porque os ganhos são certos e sólidos, mas acontecem no médio e longo prazos.
As esperanças são pouco a pouco renovadas quando olhamos para o crescimento ainda lento, porém constante e em ascensão, do número de serviços de saúde privados e públicos acreditados aqui. Apenas com o recorte dos hospitais, tínhamos apenas 435 em 2020, segundo levantamento das pesquisadoras da FGV EAESP, Claudia Araujo e Ana Maria Malik, no artigo de revisão publicado no International Journal for Quality and Healthcare. Em junho de 2024 avançamos para cerca de 600 hospitais acreditados, de um total de 1.935 organizações de saúde acreditadas, até hoje. Vale ressaltar que temos 6.600 hospitais no país, num universo de mais de 340 mil serviços de saúde. Ou seja, a velocidade de adesão não é a ideal, ainda assim, demonstra a busca de soluções para quebrar o ciclo vicioso em que a falta de recursos impede o investimento em certificações e acreditações, e a ausência delas impede que instituições alcancem a eficiência que torna o cuidado mais seguro, diminui prejuízos e as torna mais competitivas e sustentáveis.
A acreditação é um meio eficaz e comprovado de alavancar a construção da cultura de segurança nos serviços de saúde. Em todo o mundo e no Brasil, instituições acreditadas experimentam menores taxas de infecção e de eventos adversos como as úlceras por pressão (no passado conhecidas como escaras, que lideram as falhas assistenciais notificadas na Anvisa, por exemplo). São apenas dois dos muitos impactos positivos dos processos de qualificação do cuidado que ajudam a reduzir o agravamento do quadro e a mortalidade de pacientes. Há estudos sérios sobre a validade das acreditações, e é claro que a conquista dos selos é apenas o início de uma caminhada que requer disposição, comprometimento e confiança na transformação.
Políticas públicas que incentivem e facilitem a certificação de instituições de saúde também desempenham um papel crucial nesse processo, mas, como a velocidade de aprovação e aplicação de leis é lenta por aqui, é preciso que as lideranças assumam um papel mais assertivo para não só contornar a crise, mas mudar modelos que já se mostraram falidos.
É possível fazer pequenas grandes revoluções quando existe um real comprometimento com a saúde pública, como aconteceu entre 2023 e até meados desse ano. Foram mais de 300 Unidades Básicas de Saúde acreditadas por meio do Projeto SMS Atenção Básica da Secretaria de Saúde de São Paulo, em parceria com a Organização Nacional de Acreditação (ONA) e a Fundação Carlos Alberto Vanzolini, com financiamento do Banco Interamericano de Desenvolvimento. Há alguns anos, outro case na saúde pública: o Ceará também buscou cofinanciamento do BID para expansão da cobertura da assistência especializada para o interior do estado. Uma das cláusulas do banco para a parceria foi a acreditação das novas unidades por um órgão externo, para que não se transformassem em “elefantes brancos” e promovessem realmente um impacto epidemiológico positivo para o SUS. E assim foi feito. Em 2016, centros odontológicos e policlínicas foram acreditados pela ONA, num projeto piloto de acreditação em rede.
Para quem se interessa pelo tema, terá uma ótima oportunidade de ouvir especialistas no assunto no início de novembro, durante o III Congresso da Sociedade Brasileira para a Qualidade do Cuidado e Segurança do Paciente, SOBRASP. Qualidade e Segurança e a Sustentabilidade do Sistema de Saúde será um dos destaques no evento. Essencial para expandir a visão de gestores e lideranças que reconhecem os imensos desafios de prosperar nesse ambiente competitivo e em constante evolução da saúde e a condição básica para avançar: oferecer a cada cidadão um cuidado seguro e qualificado, seu direito básico.
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* Gilvane Lolato é Coordenadora do grupo Acreditação na Sociedade Brasileira para a Qualidade do Cuidado e Segurança do Paciente (SOBRASP) e Gerente Operacional da Organização Nacional de Acreditação (ONA).
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SERVIÇO
III Congresso SOBRASP – Construindo o futuro da qualidade e da segurança do paciente no ecossistema da saúde: foco na experiência humana, governança e sustentabilidade
De 7 a 9 de novembro de 2024
Centro de Convenções Frei Caneca – R. Frei Caneca, 569 – Bela Vista, São Paulo
Programação e inscrições: CongressoSobrasp2024
(desconto de 30% para grupos de 7 (sete) ou mais pessoas)