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Cenário | Saúde Mental

Depressão e ansiedade custam US$ 1 trilhão por ano à economia global

Perdas de produtividade e afastamentos crescentes mostram que saúde mental é uma questão estratégica para empresas e governos

Mais de 1 bilhão de pessoas em todo o mundo vivem com algum transtorno mental, como ansiedade e depressão, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). Esses transtornos já são a segunda maior causa de incapacidade de longo prazo e estão diretamente ligados à perda de qualidade de vida. Além do impacto humano, os custos para a economia global ultrapassam US$ 1 trilhão por ano. Especialistas destacam que integrar a saúde mental às práticas de medicina preventiva é essencial para reduzir esses prejuízos e ampliar o bem-estar da população.

“Embora muitos países tenham reforçado suas políticas e programas de saúde mental, maiores investimentos e ações são necessários globalmente para ampliar os serviços no intuito de proteger e promover a saúde mental das pessoas”, destacou a agência das Nações Unidas.

Segundo a OMS, transtornos de saúde mental como ansiedade e depressão ocorrem em todos os países e comunidades, afetando pessoas de todas as idades e níveis de renda. “É a segunda maior causa de incapacidade a longo prazo, gerando perda de qualidade de vida”, acentuou a OMS.

Desafios

“Transformar os serviços de saúde mental é um dos desafios mais urgentes da saúde pública”, destacou o diretor-geral da entidade, Tedros Adhanom Ghebreyesus. “Investir em saúde mental significa investir em pessoas, comunidades e economias — investimento que nenhum país pode se dar ao luxo de negligenciar”, acrescentou.

“Cada governo e cada líder têm a responsabilidade de agir com urgência e garantir que os cuidados em saúde mental não sejam tratados como um privilégio, mas como um direito básico de todos”, concluiu Tedros.

Os números apresentados revelam que a prevalência de transtornos de saúde mental varia de acordo com o gênero e que mulheres são desproporcionalmente mais impactadas. Ansiedade e depressão figuram como os dois tipos de transtorno mais comuns tanto entre homens como entre mulheres.

“O suicídio permanece como uma consequência devastadora, ceifando cerca de 721 mil vidas apenas em 2021 em todo o planeta”, alertou a OMS. Segundo a agência, o suicídio é uma das principais causas de morte entre jovens em todos os países e contextos socioeconômicos.

“Apesar dos esforços globais, o progresso na redução da mortalidade por suicídio é insuficiente para atingir o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) das Nações Unidas, que prevê uma redução de um terço nas taxas de suicídio até 2030. Na trajetória atual, uma redução de apenas 12% será alcançada até esse prazo.”

Impacto econômico

A OMS avalia o impacto econômico dos transtornos mentais como impressionante. Embora os custos com saúde sejam substanciais, os custos indiretos, sobretudo os que envolvem perda de produtividade, são muito maiores. A estimativa é que depressão e ansiedade, juntas, custem à economia global cerca de US$ 1 trilhão por ano.

“Essas descobertas ressaltam a necessidade urgente de investimento sustentado, priorização mais rigorosa e colaboração multissetorial para expandir o acesso à saúde mental, reduzir o estigma e combater as causas profundas dos problemas de saúde mental”, destaca a OMS.

Investimento em saúde mental

Uma pesquisa realizada pela Serasa em parceria com a Opinion Box mostra que medicamentos e terapia lideram investimentos em saúde mental no Brasil. Os principais investimentos estão relacionados a esses dois itens: 38% com medicamentos, 21% em terapia e psicólogo, 17% com plano de saúde e 16% em consultas com psiquiatras.

No ano passado, os gastos com medicamentos representaram 24%, sinalizando um crescimento de 14 pontos percentuais em um ano. Os demais custos também tiveram um aumento, entre eles terapia e psicólogo: em 2024, representaram 12,3% dos custos; plano de saúde, 11%; e psiquiatras, 7,5%.

De acordo com os dados, apenas 18% afirmam destinar até R$ 100 por mês à saúde mental, ao passo que 33% aplicam entre R$ 101 e R$ 300. No entanto, esse cenário muda quando se trata do investimento que os brasileiros gostariam de ter com esse cuidado.

Quando questionados sobre a representatividade desses gastos na renda mensal, os números surpreendem: até 10% da renda (44%), entre 11% e 25% (30%), entre 26% e 50% (17%) e mais de 50% da renda (9%).

Esses valores elevados reforçam a necessidade de um planejamento bem estruturado, pois 26% dos entrevistados afirmam que sofrem constantemente com dificuldades financeiras por conta desses gastos. Já 25% dizem que isso ocorre ocasionalmente, 24% já passaram por essa situação, mas hoje mantêm as finanças sob controle, e 25% afirmam que nunca passaram por apertos desse tipo.

Entre os motivos apontados por quem não investe mais em saúde mental, estão a priorização de outras áreas da vida (20%), falta de condições financeiras (18%) e acúmulo de responsabilidades (11%), o que dificulta o autocuidado.

Saúde mental nas organizações

A saúde mental conquistou espaço na pauta das organizações brasileiras, mas ainda enfrenta barreiras silenciosas. Crenças negativas, preconceitos e receios continuam moldando a forma como o tema é tratado no ambiente corporativo. O estigma — entendido como o medo de julgamento, discriminação e marginalização de quem enfrenta ou já enfrentou transtornos psicológicos — dificulta tanto o acolhimento quanto a busca por ajuda. Ao mesmo tempo, lideranças sobrecarregadas e com pouco preparo para lidar com o tema estão entre os grupos mais vulneráveis ao adoecimento.

Esse foi o cenário mapeado por uma pesquisa do Centro de Referência Einstein em Saúde Mental (CRESM), espaço dedicado à conexão entre ciência e prática na promoção da saúde psicológica, com foco em produção de conhecimento, formação e inovação para empresas. Realizado entre setembro de 2024 e maio de 2025, o estudo envolveu 36 empresas reconhecidas entre as “melhores para se trabalhar” no Brasil, além de membros do próprio CRESM. Ao todo, participaram 146 líderes responsáveis pela gestão de programas de saúde mental, ocupando cargos de gerência e diretoria em áreas como RH, saúde ocupacional e medicina do trabalho.

Estigma persiste e influencia decisões corporativas

Os dados do estudo revelam que, apesar da criação de programas de apoio, a demanda por saúde mental tem superado a capacidade de atendimento. “A procura aumentou tanto que não conseguimos alcançar todo mundo que precisa”, relata um dos gestores entrevistados. Quadros de ansiedade e estresse estão entre os problemas mais frequentes no ambiente de trabalho, superando a depressão.

Esse descompasso impacta a percepção sobre a efetividade das ações: embora 60% dos entrevistados indiquem que há segurança psicológica para se expressar, 39% ainda não se sentem apoiados pela gestão para lidar com o estresse. Metade dos participantes reconhece que o ambiente de trabalho representa uma ameaça ao bem-estar psicológico, especialmente entre jovens profissionais, líderes intermediários e colaboradores de funções operacionais.

O estigma também segue influenciando decisões: 82% dos gestores acreditam que empregadores preferem contratar candidatos sem histórico psiquiátrico; 51% entendem que a hospitalização é vista como um sinal de fracasso pessoal; e 75% consideram que a organização espera menos de colaboradores que passaram por internação. Essa percepção prejudica a inclusão e a trajetória de quem vivenciou transtornos mentais.

Embora 78% discordem da ideia de esconder esse histórico, 56% evitam revelar que estão em tratamento ao conhecer alguém novo e 64% se preocupariam se os colegas soubessem. “Vivemos uma ambivalência: o discurso é de valorização da saúde mental, mas, na prática, predominam o silêncio e o medo”, analisa Flávia Nielsen, responsável pela área de gestão do ensino no Einstein.

Liderança vulnerável e necessidade de mudança estrutural

A pesquisa também identifica a liderança como um dos grupos mais vulneráveis, em especial o chamado “gestor sanduíche”, pressionado pela alta direção e pelas demandas da equipe. “Líderes mais antigos veem a sobrecarga como virtude, enquanto a nova geração busca equilíbrio. Falta letramento sobre saúde mental”, afirma Dulce Brito, gerente médica de bem-estar e saúde mental do Einstein.

Apesar de esforços inovadores – como aplicativos de apoio psicológico, triagens periódicas e inclusão de perguntas sobre risco de suicídio em exames ocupacionais –, ainda há dúvidas sobre a efetividade das ações. “Ter recursos não garante qualidade. Sessões curtas e espaçadas são insuficientes”, alerta um dos gestores entrevistados.

O estudo reforça que ainda há um longo caminho para consolidar a saúde mental como parte da cultura organizacional. Entre as recomendações, estão: fortalecer a capacitação de lideranças; combater o estigma de forma sistêmica; qualificar os programas existentes; e integrar ações preventivas à estratégia das empresas. “A saúde mental precisa deixar de ser um projeto acessório e tornar-se um pilar estratégico, com participação ativa da alta gestão”, defende Luiz Zoldan, gerente médico do Espaço Einstein de Bem-Estar e Saúde Mental.

NR-01: da exigência legal à oportunidade estratégica

Em 2024, o Brasil bateu recorde de afastamentos por saúde mental. De acordo com dados do Ministério da Previdência Social, foram quase meio milhão de licenças médicas concedidas devido a ansiedade ou depressão, o maior número desde 2014. Esse número também representa um crescimento de 68% em relação aos afastamentos em 2023.

A crise de saúde mental no Brasil se tornou tão preocupante que o governo federal anunciou, em janeiro de 2025, uma atualização da Norma Regulamentadora 1 (NR-1), que estabelece disposições gerais sobre as diretrizes e estruturas do gerenciamento de riscos ocupacionais no Brasil. Agora, a NR-1 reconhece os fatores psicossociais como componentes essenciais para a proteção da integridade física e mental dos trabalhadores, obrigando os empregadores a implementarem um planejamento para controle dos riscos ocupacionais relacionados à saúde mental.

A nova NR-1 entrou em vigor em 26 de maio. No entanto, segundo decisão do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), sua aplicação terá caráter apenas orientativo e educativo até maio de 2026.

Para o médico-psicanalista e especialista em ergonomia mental André Fusco, o adiamento não deve ser visto como um alívio, mas como uma oportunidade de promover transformações estruturais nas organizações. “Estamos falando mais sobre ansiedade, depressão e até burnout, mas seguimos tratando apenas os sintomas. A NR-1 propõe um avanço: reconhecer não só a pessoa adoecida, mas os ambientes adoecedores. Estamos falando de uma mudança estrutural muito positiva”, afirma.

Já Alberto José Niituma Ogata, doutor em saúde coletiva (USP) e pesquisador associado do Centro de Estudos em Planejamento e Gestão em Saúde (FGV Saúde), alerta que os fatores psicossociais impactam diretamente a saúde mental e a produtividade. “Sua inclusão no escopo do Programa de Gerenciamento de Riscos (PGR) sinaliza um avanço importante. No entanto, compreender e intervir sobre esses fatores exige um olhar que vá além do ambiente físico de trabalho”, explica.

De acordo com a 31º Pesquisa de Benefícios Corporativos, realizada pela Mercer Marsh Benefícios, 65% das empresas afirmam ter ações de saúde e bem-estar. No entanto, quando excluídas ações pontuais como palestras, massagens, salas de descompressão e campanhas de Setembro Amarelo, apenas 16% desenvolvem ações que cumprem todas as premissas necessárias para um programa efetivo. “É necessário assegurar que as empresas promovam um cuidado interdisciplinar e construam ambientes organizacionais que respeitem os limites humanos e possibilitem o desenvolvimento profissional. Gestores e profissionais de saúde devem abandonar a visão de que os fatores psicossociais são ‘problemas individuais’ do trabalhador. Além disso, empresas que oferecem planos de saúde devem se comprometer com o uso qualificado dessa rede, orientando o trabalhador sobre o acesso, estimulando o acompanhamento multiprofissional e monitorando a efetividade dos tratamentos.”

Para o pesquisador, ao incorporar os fatores psicossociais ao gerenciamento de riscos ocupacionais, a NR-1 abre caminho para uma nova cultura de saúde no trabalho — mais humana, inclusiva e integrada. “A cultura de saúde não se revela meramente pela contratação de uma consultoria especializada e adoção de ‘EPIs’ em saúde mental, como a oferta de serviços de telepsicologia. Trata-se de uma oportunidade estratégica para as empresas e não apenas do cumprimento de uma obrigação legal. Ao promover ambientes saudáveis e sustentáveis, as organizações fortalecem seu capital humano, aumentam sua competitividade e contribuem para uma sociedade mais justa. Encarar a NR-1 sob essa ótica é transformar o cuidado com a saúde dos trabalhadores em um ativo corporativo valioso e perene. As empresas que agirem agora terão uma vantagem competitiva no futuro do trabalho”, conclui Ogata.

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