Áreas como oncologia, neurologia e doenças raras têm experimentado conquistas significativas, com terapias mais eficazes que estão transformando o tratamento desses pacientes. Além disso, essas especialidades têm impulsionado a pesquisa científica e o desenvolvimento de novos medicamentos, gerando um impacto profundo para o futuro da saúde.
Bases da personalização
O avanço em tecnologias genômicas tem sido essencial para a medicina personalizada. Instituições como o Broad Institute of MIT and Harvard e a Universidade de Stanford lideram pesquisas que exploram o Sequenciamento de Nova Geração (NGS), permitindo a análise detalhada do DNA humano. Essa tecnologia identifica mutações genéticas associadas a doenças como câncer, diabetes e enfermidades cardiovasculares.
Outra tendência é a integração de exames genômicos ao diagnóstico precoce de doenças raras. Segundo estudos da Mayo Clinic, a aplicação de ferramentas como CRISPR para edição de genes possibilita intervenções mais eficientes, constituindo um passo significativo para a prevenção de condições genéticas hereditárias.
Pesquisadores da Universidade de Oxford também estão explorando a fusão de genômica com inteligência artificial para identificar padrões genéticos em doenças complexas. Isso inclui algoritmos que analisam variações genéticas, prevendo a resposta do paciente a diferentes tratamentos.
Segundo o coordenador assistencial do Laboratório Genética e Biologia Molecular do Hospital Moinhos de Vento, o doutor em Genética e Biologia Molecular Tiago Finger Andreis, a genômica transcende todas as áreas da medicina. “São inúmeras as aplicações que podemos citar. Podem ser testes que despertam a mera curiosidade das pessoas, como os de ancestralidade. Existem também aqueles que ajudam a definir seu estilo de vida, como os de nutrigenômica, que permitem a criação de dietas personalizadas com base no perfil genético de cada pessoa. Ou, em casos mais críticos, como os de pacientes oncológicos, a identificação do perfil molecular dos tumores define os tratamentos mais adequados”, exemplifica.
O projeto Genoma Humano, por exemplo, demorou 13 anos para ser executado. Iniciado em 1990 e encerrado em 2003, ele sequenciou cerca de 92% do nosso genoma ao custo de quase US$ 3 bilhões. Os 8% restantes foram finalizados somente em 2022. Para efeito de comparação com as atuais plataformas, hoje é possível sequenciar cerca de 100 genomas humanos em apenas 48 horas por menos de US$ 1.000 cada.
Edição Genética
Na medicina reprodutiva, a promessa dessa ferramenta é de transformar o tratamento de doenças genéticas, permitindo intervenções diretas em embriões para prevenir a transmissão de condições graves aos descendentes. Conforme explica Natalia Nardelli Gonçalves, Head de reprodução humana e gerente de novos produtos da Dasa Genômica, o sistema CRISPR-Cas9 é baseado em um mecanismo natural de defesa bacteriana contra vírus que foi adaptado para funcionar como uma ferramenta de edição genômica em organismos complexos. O CRISPR (Clustered Regularly Interspaced Short Palindromic Repeats) atua como uma matriz de memória para sequências de DNA, enquanto a proteína Cas9 funciona como uma “tesoura” molecular que corta o DNA em locais específicos.
“Para editar um gene”, diz Natalia, “um RNA guia (sgRNA) é desenhado para direcionar a Cas9 ao local exato do genoma onde uma mutação patogênica está presente. Uma vez que o DNA é cortado, o sistema de reparo celular é acionado. Pode-se, então, induzir a célula a corrigir o gene defeituoso de forma precisa, substituindo-o pela sequência correta.”
Além de corrigir mutações, Natalia explica que a CRISPR-Cas9 pode ser utilizada para introduzir variantes genéticas que conferem resistência a certas doenças, como a resistência ao HIV (por meio da edição do gene CCR5). Embora a CRISPR-Cas9 ofereça um potencial significativo, a sua aplicação na edição de embriões humanos ainda enfrenta desafios técnicos e éticos.
“A evolução dessa tecnologia pode redefinir as possibilidades da medicina e, ao mesmo tempo, levantar questões éticas que antes ficavam apenas na ficção. Qual será o limite da intervenção humana? Precisamos de guias completos sobre aplicação e limitação do uso, e que as pesquisas e ensaios clínicos continuem a progredir avaliando os possíveis efeitos colaterais e embates éticos”, ela ressalta.
Revolução dos Biomarcadores
No campo laboratorial, biomarcadores genômicos estão no centro das inovações. Pesquisas em proteômica e metabolômica oferecem insights fundamentais sobre como expressões gênicas influenciam a saúde. Institutos como o Karolinska Institutet na Suécia destacam o uso de biomarcadores para prever a eficácia de medicamentos e monitorar a progressão de doenças em tempo real.
Exames não invasivos, como as chamadas “biópsias líquidas”, estão se tornando padrão em oncologia. Essas ferramentas permitem identificar alterações genéticas em circulação no sangue, auxiliando na detecção precoce de cânceres e no acompanhamento de tratamentos. Estudos conduzidos no Dana-Farber Cancer Institute mostram que essas tecnologias também ajudam a monitorar mutações de resistência, permitindo ajustes em terapias-alvo.
O desenvolvimento de plataformas automatizadas para análise de dados laboratoriais está acelerando os resultados. Sistemas como o Digital PCR são precisos na detecção de mutações raras em amostras de pacientes, abrindo novas possibilidades para o diagnóstico precoce.
Alzheimer
Para a doença de Alzheimer, a tecnologia pode refletir mudanças patológicas anos antes da manifestação clínica da doença. O papel dos biomarcadores tem conquistado o seu lugar entre as primeiras terapias modificadoras da doença disponíveis e são o principal interesse de pesquisa do grupo da professora Charlotte Teunissen, líder do Laboratório de Neuroquímica no Centro Médico da Universidade de Amsterdã. Os achados do grupo foram apresentados pela pesquisadora Anna Lidia Wojdala na conferência magna do 56º Congresso Brasileiro de Patologia Clínica e Medicina Laboratorial, realizado em setembro.
A doença de Alzheimer está entre as enfermidades neurodegenerativas mais comuns e deve alcançar uma prevalência de 78 milhões de indivíduos até 2030. A medição de biomarcadores selecionados em fluidos reflete com precisão os processos patológicos da doença, auxiliando os clínicos na tomada de decisão, especialmente em pacientes nos estágios iniciais, para os quais as opções de prevenção secundária podem inibir um declínio cognitivo adicional.
“Estudos recentes demonstram que níveis anormais de biomarcadores em fluidos podem refletir mudanças patológicas anos antes da manifestação clínica da doença”, destaca Wojdała. A pesquisadora cita os critérios mais recentes para diagnóstico e estadiamento, que incluem a medição de biomarcadores no líquido cefalorraquidiano (LCR) e no sangue para diagnosticar a doença de Alzheimer biológica, principalmente em indivíduos sintomáticos, e também em indivíduos assintomáticos em ambientes de pesquisa.
Os resultados apresentados nessa pesquisa são esperados há 20 anos, período em que a medicina teve um grande progresso, e identifica a doença desde um estágio sem sintomas. Segundo Wojdala, ainda são necessários outros biomarcadores com identificação mais sensível, e os avanços tecnológicos têm auxiliado nesse sentido por considerar importante não só identificar a doença, mas em que estágio ela está e, assim, definir a terapia mais eficaz.
Oncologia
Tecnologias baseadas em sequenciamento e edição genética estão permitindo o desenvolvimento de terapias-alvo que tratam as causas subjacentes de doenças em nível molecular. Por exemplo, a imunoterapia personalizada tem se mostrado promissora em tipos agressivos de câncer, como melanoma e linfoma.
Estudos do MD Anderson Cancer Center e da Cleveland Clinic destacam o uso de células CAR-T, que são modificadas geneticamente para atacar células tumorais de maneira eficaz. Além disso, avanços em terapia gênica, como o uso de vetores virais para corrigir mutações, estão ampliando o horizonte de possibilidades para doenças genéticas raras.
Terapias combinadas também estão ganhando destaque. O uso de inibidores de checkpoint imunológico em combinação com tratamentos genômicos tem demonstrado eficácia em cânceres metastáticos. Esse avanço foi registrado por pesquisadores do Memorial Sloan Kettering Cancer Center, que estão expandindo os limites do tratamento personalizado.
De acordo com Ida Vanessa Schwartz, presidente da Sociedade Brasileira de Genética Médica e Genômica (SBGM), a terapia gênica promete ser o futuro da espécie humana: “O tratamento introduz no organismo genes saudáveis para substituir, modificar ou suplementar genes inativos ou disfuncionais que causam algum problema de saúde, como doenças hereditárias e raras, doenças multifatoriais e câncer”.
Recentemente, a SBGM obteve a aprovação da Oncogenética pelo Conselho Federal de Medicina, pela Associação Médica Brasileira e pela Comissão de Residência Médica.
Inovações Tecnológicas e o Futuro da Genômica
A integração de big data à genômica tem acelerado descobertas na área. Plataformas como o The Cancer Genome Atlas oferecem enormes bancos de dados para análise e correlação de mutações com respostas terapêuticas. Essa abordagem permite a identificação de novas vias terapêuticas e a criação de protocolos mais eficazes.
Dispositivos wearables também estão contribuindo para a coleta de dados em tempo real, auxiliando na personalização do cuidado ao paciente. A parceria entre empresas de tecnologia e instituições acadêmicas, como o projeto de pesquisa de genômica da Google Health, está acelerando o desenvolvimento de soluções baseadas em IA.
Além disso, o uso de “organoides”— mini-órgãos cultivados em laboratório a partir de células-tronco— permite testes de medicamentos mais acurados. Essa técnica, liderada pelo The Francis Crick Institute, simula as respostas humanas em ambientes controlados, reduzindo o tempo de desenvolvimento de novos tratamentos.
“Antes, o foco era na doença; agora, o foco é no paciente”, afirma o presidente da Sociedade Brasileira de Informática em Saúde – SBIS e Diretor Médico Regional da Oncologia D’Or, Antonio Carlos Onofre de Lira.
Segundo esse conceito, que entende cada paciente como único, é preciso apoiar-se em testes e ferramentas de diagnóstico modernos para poder descobrir anomalias genéticas ou outras enfermidades. Infelizmente, é uma “estratégia que ainda encontra resistência nos altos custos dos procedimentos e na falta de uma integração dos dados dos pacientes, das doenças e dos tratamentos, impedindo que médicos tenham mais capacidade de aplicar, relacionar e potencializar os tratamentos”, destaca.
A SBIS, segundo Lira, tem sido uma forte aliada de hospitais, laboratórios e operadoras na busca de discussões que proporcionem o avanço dessa integração. “É preciso uma linguagem unificada, um prontuário interoperável e um padrão de comunicação para que possamos potencializar a medicina personalizada, para que ocorra uma melhora prática”, afirma. Para o presidente da entidade, também cabe à Secretaria de Informação e Saúde Digital – SEIDIGI, ligada ao Ministério da Saúde, regulamentar essa questão.
De acordo com o executivo, com a velocidade atual para enxergar, entender e incorporar novas tecnologias emergentes, é necessário debater mais as necessidades para a consolidação da medicina personalizada.
Desafios e perspectivas
Apesar dos avanços, desafios importantes persistem. Questões relacionadas ao custo elevado de tecnologias genômicas, ao acesso desigual e à ética no uso de dados genéticos demandam soluções colaborativas. Instituições como a Organização Mundial da Saúde (OMS) estão trabalhando para padronizar regulações e ampliar o acesso global a essas inovações.
Os desafios éticos incluem a privacidade de dados genéticos e o uso potencial de informações genômicas para discriminação. O Global Alliance for Genomics and Health (GA4GH) tem liderado iniciativas para criar padrões éticos e técnicos, garantindo que a genômica beneficie a humanidade de forma justa e equitativa.
Bancos de dados genômicos globais
Bancos de dados genômicos como o “1000 Genomes Project” estão desempenhando um papel crucial na democratização do acesso à medicina personalizada. Esses repositórios coletam informações genéticas de diversas populações, permitindo que cientistas identifiquem variações específicas associadas a doenças em diferentes grupos étnicos.
A inclusão de populações sub-representadas em estudos genômicos é essencial para garantir que os avanços em medicina personalizada sejam equitativos. Projetos como o H3Africa (Human Heredity and Health in Africa) estão promovendo a pesquisa genômica em países africanos, revelando insights únicos sobre doenças como a anemia falciforme e a hipertensão.
Educação dos profissionais de saúde
A rápida evolução da medicina genômica exige a capacitação contínua de médicos, pesquisadores e outros profissionais de saúde. Universidades e centros de ensino médico estão implementando programas específicos sobre genômica e bioinformática em seus currículos. Por exemplo, a Universidade de Cambridge oferece um curso abrangente sobre genômica aplicada à prática clínica, preparando médicos para integrar essas ferramentas ao atendimento cotidiano.
Além disso, organizações como American College of Medical Genetics and Genomics (ACMG) desenvolvem diretrizes para orientar os profissionais no uso ético e eficaz da genômica.