A primeira etapa consiste em identificar o tipo societário adequado ao seu modelo de negócio, desde uma sociedade limitada até uma sociedade por ações. Essa análise deve considerar o adequado enquadramento à Lei Complementar nº 182/21, que instituiu o Marco Legal das Startups, em qual setor regulado a empresa estará inserida e, consequentemente, a que autoridade a empresa estará sujeita. Setor regulado, por sua vez, é a parcela do setor produtivo (indústria, comércio e serviços) sujeito ao controle de algum órgão regulatório.
A segunda etapa busca avaliar a legislação aplicável para identificar eventuais barreiras de entrada – ou seja, confirmar se o produto e o serviço que serão oferecidos precisam ou não de algum tipo de autorização, registro ou licença específica da autoridade competente.
Já a terceira etapa compreende uma avaliação mais técnica do negócio e da sua modelagem e estrutura. A depender do setor, a regulamentação é complexa e apresenta uma série de restrições à atuação e operação das empresas reguladas.
A quarta etapa consiste em identificar as obrigações – inclusive de informação/comunicação – pós-registro do produto e/ou emissão da autorização de funcionamento. No setor regulado de saúde, algumas alterações e mudanças precisam ser comunicadas à agência reguladora sob pena de incidência das sanções legais cabíveis. E, por fim, a quinta etapa incide na verificação das principais penalidades – os riscos regulatórios em caso de descumprimento da legislação aplicável.
Aspectos da Regulamentação
Feitas as divisões das etapas por temas, passamos a destacar, de maneira resumida, os principais aspectos da regulamentação da ANVISA e ANS, no que diz respeito exclusivamente a barreiras de entrada e riscos. Vale ressaltar que ambas as agências não fazem grande distinção na regulamentação para empresas de diferentes portes. Ou seja, na grande maioria das vezes, essas agências reguladoras estabelecem exatamente as mesmas exigências, requisitos e obrigações para empresas de pequeno, médio e grande portes. O tamanho da empresa é levado em consideração na dosimetria da sanção em caso de descumprimento das obrigações regulatórias.
A Lei de Criação da ANVISA (Lei n°. 9.782/1999) estabelece que a agência é competente para regulamentar, controlar e fiscalizar os produtos e os serviços que envolvam risco à saúde pública. O art. 8 § 1º da referida lei, por sua vez, elenca uma relação longa de bens e produtos submetidos ao controle e à fiscalização sanitária pela agência, dentre eles: medicamentos de uso humano, suas substâncias ativas e demais insumos, processos e tecnologias; alimentos, inclusive bebidas, águas envasadas, seus insumos, suas embalagens, aditivos alimentares, limites de contaminantes orgânicos, resíduos de agrotóxicos e de medicamentos veterinários; cosméticos, produtos de higiene pessoal, perfumes e saneantes; equipamentos e materiais médico-hospitalares, odontológicos e hemoterápicos e de diagnóstico laboratorial e por imagem.
Assim, se a empresa em questão vai oferecer algum desses bens e produtos, a legislação da ANVISA deve ser avaliada a fim de identificar as autorizações necessárias para comercializar o produto.
Mas nem todas as empresas que trabalham com os produtos acima elencados precisam de Autorização de Funcionamento (AFE) da ANVISA. A autorização é exigida de empresas que realizam atividades de armazenamento, distribuição, embalagem, expedição, exportação, extração, fabricação, fracionamento, importação, produção, purificação, reembalagem, síntese, transformação e transporte de medicamentos e insumos farmacêuticos destinados a uso humanos, produtos para saúde, cosméticos, produtos de higiene pessoal, perfumes, saneantes e envase ou enchimento de gases medicinais.
A RDC n°. 16/2014 é a principal norma que estabelece os critérios para peticionamento de AFE e Autorização Especial (AE) de empresas.
Em relação aos riscos, a Lei n°. 6.437/1977 dispõe sobre todas as infrações à legislação sanitária federal, bem como as sanções aplicáveis e os critérios de aplicação. A lei apresenta um rol de 14 penalidades aplicáveis que variam desde advertência, multa, apreensão, inutilização e interdição do produto até cancelamento do registro do produto e da autorização de funcionamento da empresa e interdição parcial ou total do estabelecimento e suspensão de vendas e/ou fabricação de produto. Vale lembrar também que a ANVISA fiscaliza a propaganda de diversos produtos regulados, então existem penalidades específicas para infrações às regras de propaganda, como: proibição ou suspensão de propaganda e publicidade e imposição de mensagem retificadora.
Saúde Suplementar
A ANS, por sua vez, é o órgão de regulação, normatização, controle e fiscalização das atividades que garantem a assistência suplementar à saúde. Compete à ANS, dentre outras funções, autorizar o funcionamento de operadoras de planos de saúde (que visam a assistência médica, hospitalar e odontológica) e administradoras de benefícios, além do registro dos planos privados de assistência à saúde.
As empresas que pretendem atuar no setor de saúde suplementar têm de ter em mente que o arcabouço regulatório é um dos mais complexos e a fiscalização da ANS é constante. O dever de informar a ANS é periódico. Tanto que, entre as obrigações acessórias, está o envio do Documento de Informações Periódicas das Operadoras de Planos de Assistência à Saúde (DIOPS/ANS), instituído com a finalidade de coletar informações cadastrais e financeiras para acompanhar a saúde econômico-financeira das operadoras e a manutenção dos dados cadastrais.
A Resolução Normativa (RN) n°. 489/2022 dispõe sobre a aplicação de penalidades para as infrações à legislação dos planos privados de assistência à saúde. Tal norma apresenta penalidades não só para a empresa como, também, aos seus administradores, membros de conselhos administrativos, deliberativos, consultivos, fiscais e assemelhados – o que é um diferencial desse setor.
A ANVISA, por exemplo, não apresenta penalidades dessa natureza. Entre as penalidades aplicáveis às pessoas físicas responsáveis estão: suspensão de exercício do cargo; inabilitação temporária para o exercício de cargo em qualquer operadora de planos de assistência à saúde; e inabilitação permanente para exercício de cargos de direção ou em conselhos de qualquer operadora, bem como em entidades de previdência privada, sociedades seguradoras, corretoras de seguros e instituições financeiras.
Embora seja comum que muitas startups surjam no mercado com pouco ou nenhum investimento inicial, é essencial, em especial para as empresas do setor de saúde, separar um montante inicial para avaliar a viabilidade regulatória do projeto.
A aplicação de recursos no estudo da viabilidade de soluções inovadoras é uma providência necessária e responsável não apenas para cumprir com a regulamentação aplicável, mas sobretudo para prevenir riscos aos sócios fundadores, investidores e usuários da solução que será oferecida no mercado.
O sucesso do empreendimento está diretamente ligado à sua capacidade de atender a determinada carência do mercado de forma escalável e sustentável, mas em hipótese alguma poderá se afastar dos limites regulatórios aplicáveis. Conhecer, aprender e se preparar para as regras do setor regulado de saúde é um dos pilares que sustentarão a estrutura de sucesso da empresa.
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*Daniel Caramaschi é Sócio nas áreas de Contratos Comerciais e Negociações, Fusões e Aquisições e Societário do Demarest Advogados e coordenador do Disrupt.
*Monique Guzzo é Advogada sênior das áreas de Life Science e Direito Público e Regulatório do Demarest Advogados.