“Logo depois de anunciar a pandemia de covid-19, a OMS anunciou a infodemia. Ainda vivemos isso e vai ser difícil sair dela. Por trás disso, existe uma estrutura, é um negócio que gera dinheiro para quem faz. Discordar faz parte, e a ciência precisa de concordâncias e discordâncias. É assim que ela evolui. Mas a ciência precisa se prender a evidências científicas. O médico tem a obrigação de dar sua recomendação baseada em evidências”, ressalta a diretora.
Quando essa campanha de desinformação é combinada a uma baixa percepção de risco das doenças prevenidas pelas vacinas, a diretora da SBIm explica que a hesitação vacinal ganha força, mesmo entre profissionais de saúde. Médicos e enfermeiros, assim como toda a população, estão sujeitos ao bombardeio de informações na internet, e muitas das doenças prevenidas pelos imunizantes se tornaram raras ou controladas justamente pelo sucesso da vacinação.
“A maioria que ouve essas informações fica na dúvida. E, na dúvida, prefere não arriscar na recomendação. E o médico muitas vezes está ouvindo de um colega que ele conhece, porque muitas vezes os profissionais chamados [para espalhar desinformação] são médicos conhecidos, ou até um médico que foi professor dele. Então, ele acredita.”
A desinformação sobre vacinas muitas vezes é alarmante, descreve Ballalai, e traz um tom exaltado tanto no conteúdo quanto na forma de apresentá-lo, com letras garrafais e coloridas, por exemplo. Esses conteúdos também se aproveitam de vídeos e fotos de adultos e crianças para inventar histórias sobre situações que não aconteceram ou não estão relacionadas à vacinação.
Ameaça à democracia
A circulação dessas informações já havia sido detectada pela própria Sociedade Brasileira de Imunizações em pesquisa divulgada em 2019. Dez afirmações falsas recorrentes sobre vacinas foram apresentadas a mais de 2 mil entrevistados nas cinco regiões do Brasil, e mais de dois terços (67%) deles disseram que ao menos uma das informações era verdadeira. O cenário se agravou muito com a pandemia de covid-19 e o uso das redes sociais contra diversas instituições democráticas, como a Justiça, o sistema eleitoral, a imprensa e o próprio PNI.
Nesse contexto, autoridades como o então presidente Jair Bolsonaro defenderam tratamentos ineficazes contra a covid-19, como o que chamou de kit covid, e atacaram medidas preventivas, como o distanciamento social, além de promover desconfiança em relação às vacinas contra a doença.
O coordenador do PNI, Eder Gatti, conta que o combate à desinformação em saúde tem sido o primeiro passo de uma ação sistemática do governo federal para combater esse problema em todas as áreas. Gatti afirma que o ataque à confiança nas vacinas acontece de forma sistemática e organizada e acaba levando as pessoas a terem medo de se vacinar ou desconfiarem das vacinas.
“Esse é um mal recente e relativamente pequeno no Brasil, começou agora com a pandemia, mas já causa efeitos sérios nas coberturas vacinais no Brasil e é algo para a gente se preocupar”, alerta.
“A desinformação é algo que ameaça a nossa democracia, é mais ampla que a saúde, e a ação de combate à desinformação está na saúde de forma piloto, inclusive para agir no ataque à desinformação de maneira sistemática. Temos um programa estruturado que tem sido testado no sentido de identificar ações que disseminem informação e também de forma a conter o efeito”.
Interesses políticos
A ação coordenada dos antivacinistas para prejudicar o Movimento Nacional pela Vacinação, lançado em fevereiro pelo Ministério da Saúde, foi mapeada pelo Laboratório de Estudos de Internet e Mídias Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro (NetLab/UFRJ). Somente no antigo Twitter, o NetLab conseguiu identificar um grupo de 36 mil perfis que retuitaram mais de 100 mil publicações com conteúdo antivacina após o lançamento. Tal articulação acabou sendo mais intensa que a dos 41 mil perfis que fizeram 79 mil retuítes a favor da vacinação.
O NetLab explicou que, em diversos momentos, a pauta política do país é um gatilho para campanhas de desinformação, e o movimento pela vacinação foi um episódio emblemático. Coordenador de projetos e pesquisador assistente no NetLab UFRJ, Carlos Eduardo Barros contextualiza que a desinformação sobre vacinas nos últimos anos está intimamente relacionada a interesses econômicos e políticos. O pesquisador explica que, quando se fala em desinformação, não se trata de erros que todos estão sujeitos a cometer ao se comunicar, mas de uma estrutura de propaganda que realmente opera com o objetivo de causar engano e confusão, oferecendo uma alternativa que é lucrativa para seus financiadores.
“Por isso, quando tivemos o auge da covid-19 no Brasil, por exemplo, antes de aumentar o número de pessoas contaminadas, aumentaram os lucros de venda dos supostos tratamentos precoces prometendo curas milagrosas que ‘a mídia estaria escondendo’”, afirma ele, que resgata outro caso emblemático: “A primeira onda de boatos sobre vacinas causarem efeitos absurdos começou em 1998, quando um cientista publicou uma pesquisa associando a tríplice viral com o autismo. Logo descobriam que os dados eram falsos, e ele tinha sido pago por uma empresa farmacêutica que se beneficiou com a queda de vendas daquela vacina. Mas a que custo? Estudos sobre esse caso destacam que o papel da mídia na época, dando espaço para o falso cientista mesmo depois da fraude comprovada, acabou espalhando a ideia de “perigo” das vacinas, e até hoje influencia grupos antivax.”
Diante de uma máquina profissional de produzir e espalhar mentiras, até mesmo profissionais de saúde podem ser enganados, ressalta o pesquisador, principalmente quando o tema da desinformação não é sua especialidade profissional. Ele aponta que estudos no campo da desinformação sobre ciência mostram que pessoas com alto nível de especialização são igualmente suscetíveis a acreditar em uma informação falsa sobre outra área que elas desconhecem, e podem ser ainda mais difíceis de aceitar que foram enganadas.
“Além disso, dificilmente um profissional que não seja pesquisador terá tempo para se atualizar na mesma velocidade das descobertas científicas – e a ciência também não é um corpo imóvel de conhecimento, ela muda o tempo todo conforme aprendemos novas coisas”, afirma. “Essa é a importância das instituições como o Ministério da Saúde e a OMS. E por isso também é perigoso quando uma figura de autoridade, seja cientista, jornalista ou político famoso, difunde uma ideia mentirosa. Porque a partir dessa pessoa é provável que muitos, até bem intencionados, sejam influenciados e até reproduzam discursos similares”, conclui.
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Com informações da Agência Brasil