Medicina S/A: O Hospital Alemão Oswaldo Cruz criou um modelo assistencial próprio. Quais são as bases desse programa e como ele se diferencia do que é praticado no país?
José Marcelo: Nossa instituição completou 125 anos em 2022. Temos mais de um século de tradição e excelência no cuidado e somos referência em atendimentos de alta complexidade na América Latina. Para assegurar as melhores experiência e resultado em saúde para os nossos pacientes, temos buscado inovar cada vez mais na gestão da jornada do paciente, pensando sempre para além dos muros do hospital, assegurando a qualidade na assistência e a sustentabilidade do sistema.
Construído de forma colaborativa e implementado em 2017, o nosso modelo assistencial tem como diferencial colocar o paciente e o familiar no centro do cuidado, estimulando o estabelecimento de vínculos entre os profissionais da saúde com o paciente, em consonância com as melhores práticas de assistência humana. Para tanto, ele utiliza o conceito do cuidado baseado no relacionamento (RBC – Relationship Based Care) e no Primary Nursing.
Com o intuito de contribuir para o avanço sistêmico da saúde também temos buscado disseminar essa forma de cuidar que tanto nos diferencia no mercado por meio das iniciativas que realizamos no âmbito do projeto do Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do Sistema Único de Saúde (PROADI-SUS) e mediante publicações.
Durante as comemorações do nosso aniversário, por exemplo, lançamos a publicação Gestão do Cuidado para o Alcance de um Modelo Assistencial de Excelência na Área Hospitalar, coordenada pela Fátima Gerolin, diretora-executiva assistencial, que apresenta justamente os conhecimentos e a experiência assistencial e de gestão da nossa instituição.
Mais do que cuidar dos nossos pacientes, temos o compromisso de influenciar positivamente o setor de saúde brasileiro, compartilhando conhecimento e tecnologia, além de ofertar recursos para que outros profissionais e instituições de saúde possam se inspirar na nossa experiência.
Medicina S/A: O quanto avançamos em conceitos como “Patient Centricity” e “Valor em Saúde”?
José Marcelo: Sabemos que ainda são muitos os desafios vivenciados pelo setor, mas acredito que já avançamos algumas casas em relação ao modo como enxergamos, executamos e remuneramos a saúde. Hoje, temos mais clareza sobre a importância de desenvolver novos modelos em que o paciente não esteja apenas no centro do cuidado, mas também seja corresponsável na sua jornada de cuidado.
Com o nosso Modelo Assistencial, por exemplo, as decisões para o cuidado com o paciente são baseadas nas melhores evidências científicas e levam em consideração sua história de vida e necessidades. Ao colocá-lo no centro do cuidado, trabalhamos aspectos como a recuperação e a reinserção social, o diálogo com a família e o estabelecimento de vínculos de confiança com os profissionais de saúde, da internação ao pós-alta. A educação para o autocuidado também é uma das premissas fundamentais do modelo assistencial do hospital. E, para que possamos antecipar as suas necessidades, também criamos um Conselho Consultivo de Pacientes. Nesse colegiado, pacientes e familiares podem conhecer melhor os processos internos da instituição e sugerir melhorias sobre a forma de cuidar do hospital. Algumas sugestões de melhorias, inclusive, foram implementadas a partir das discussões dos integrantes do Conselho Consultivo.
Medicina S/A: É possível manter a Excelência na Área Hospitalar considerando os modelos de remuneração ainda praticados no país?
José Marcelo: Os custos da saúde estão com patamares cada vez mais elevados, o que se torna insustentável tanto para as instituições de saúde, como para as operadoras e os pacientes. Mas acredito que essa lógica que remunera a doença e não a saúde do indivíduo já vem mudando.
Se não estivermos abertos a discutir novos modelos de compartilhamento de riscos, que envolvam uma gestão de jornada do paciente, aliada a uma precificação e controle de etapas mais ampliadas do cuidado, futuramente contaremos com uma população cada vez mais afetada por enfermidades crônicas e progressivas, como obesidade, diabetes e doenças cardiovasculares, cujos tratamentos são mais caros e nem sempre efetivos.
Medicina S/A: A Gestão da Saúde Populacional pode ser um caminho?
José Marcelo: A Gestão da Saúde Populacional é o caminho. No Hospital Alemão Oswaldo Cruz, há mais de 10 anos implementamos o Programa Saúde Integral, que tem como objetivo melhorar a qualidade vida do colaborador, reduzir as taxas de absenteísmo e os custos com saúde suplementar, imprimindo racionalidade na gestão de saúde populacional. Alcançamos resultados expressivos em importantes indicadores de saúde em mais de 3,6 mil colaboradores.
Com a implementação do Programa Saúde Integral, conseguimos reduzir em 24% o custo com planos de saúde de nossa força de trabalho. Entre 2012 e 2015, evitamos os reajustes dos planos, gerando uma economia estimada em R$ 25 milhões.
Esses resultados bem-sucedidos com os colaboradores do hospital impulsionaram a criação, em 2021, de uma Unidade de Negócios específica para levar a nossa expertise para as empresas. Hoje, o Saúde Integral impacta mais de 35 mil vidas. Em algumas das organizações atendidas, já estão sendo zeradas as coparticipações para consultas de atenção primária como forma de estímulo e engajamento.
Medicina S/A: Qual o papel de outros stakeholders da saúde nesse processo?
José Marcelo: A pandemia de Covid-19 mostrou que a saúde é sistêmica, ou melhor, que a atuação conjunta de diversos setores da sociedade é fundamental para a conquista de resultados eficientes. No setor da saúde isso ficou ainda mais evidente. É preciso ampliar cada vez mais o diálogo em busca de soluções comuns, que levem em consideração redução de custos, eficiência, acesso a tecnologias, melhor produtividade e resolutividade, mas sempre mantendo o foco na entrega dos melhores desfechos aos pacientes, e contribuindo efetivamente para a melhoria da saúde das pessoas.
Medicina S/A: Num cenário pós-pandemia, quais os principais desafios para o setor hospitalar?
José Marcelo: A pandemia trouxe transformações importantes para todos os setores da sociedade. Como uma instituição de grande porte e referência em atendimentos de alta complexidade na América Latina, fomos impulsionados a seguir atentos ao que enxergamos como o hospital do futuro.
É cada vez mais importante olharmos para o ambiente que proporcionamos aos nossos colaboradores, para a maneira como os acolhemos e para o nosso desenvolvimento profissional e humano. Com certeza, esse é um dos ativos mais importantes para nós. Graças a ele, proporcionamos as melhores experiência e resultado em saúde aos nossos pacientes. Com o investimento em pessoas, tecnologia, inovação, educação e pesquisa, é possível contribuir cada vez mais com a geração de conhecimento, a melhoria da saúde brasileira e o acesso a tratamentos seguros e de alta qualidade.
Medicina S/A: A pandemia impulsionou de maneira significativa a transformação digital no setor. Você vê esse movimento se consolidando de forma efetiva?
José Marcelo: Sim. A transformação digital, impulsionada pela pandemia, veio para ficar. Acreditamos que o intraempreendedorismo no setor de saúde, sobretudo no âmbito hospitalar, é uma solução que pode acelerar a inovação de forma colaborativa, promovendo sinergia, alinhamento, foco e orientação. Nós, por exemplo, implementamos durante a pandemia o projeto Fabrik, que tem o objetivo de fomentar a cultura da inovação colaborativa interna, promovendo a sinergia entre colaboradores e executivos, apresentando soluções para os desafios da instituição.
Além disso, o nosso Centro Internacional de Pesquisa e o Centro de Inovação e Saúde Digital tiveram um papel crucial nessa jornada. Em 2021, o hospital se destacou como o primeiro centro de saúde no país a utilizar um software para unificar as realidades virtual e aumentada, usado no planejamento pré-operatório, intra e pós-operatório.
Medicina S/A: Como o hospital tem atuado em relação às novas tecnologias?
José Marcelo: A pandemia quebrou barreiras no que diz respeito à implantação de novas tecnologias, como a adoção de ferramentas de telemedicina, e incrementou o incentivo à pesquisa com aplicabilidade prática, estimulando a busca de soluções inovadoras para o enfrentamento da doença. Sem dúvida, esses ensinamentos vieram para ficar e serão notados nos próximos anos. Essas transformações fazem com que a gestão da saúde seja 4.0, capacitando os profissionais a um perfil inovador, multidisciplinar e com aptidões para atuarem nessa transição para a nova era digital, acelerada pela Covid-19.
Desde 2020, temos desenvolvido diversas ações em conjunto com o Ministério da Saúde, no âmbito do Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do SUS (PROADI-SUS), como o TeleHAOC, um portal de teleorientação multiprofissional, que permitiu que profissionais de saúde da rede pública de todo o país tirassem dúvidas em tempo real sobre a Covid-19.
Medicina S/A: E a saúde digital?
José Marcelo: Durante a pandemia da Covid-19, aprendemos a ter um olhar ainda mais estratégico para a Saúde 4.0, que é aquela que deve cuidar do paciente de forma integral e ir além dos muros do hospital e dos serviços básicos. É preciso prestar assistência, tanto de forma presencial quanto virtual, mas de maneira personalizada, acompanhando e coordenando o cuidado em toda a jornada de tratamento. E isso somente é possível por meio do trabalho colaborativo de uma equipe multiprofissional.
Medicina S/A: Como preparar o corpo clínico e outros profissionais para esse novo cenário tecnológico?
José Marcelo: Investimos no Centro de Inovação e Saúde Digital, que atua como uma unidade de negócios com forte estratégia de intraempreendedorismo, visando impulsionar o protagonismo colaborativo.
Profissionais, pacientes, colaboradores e a gestão atuam em projetos em parceria com o Centro, o qual fornece acolhimento da ideia, mentoria e acompanhamento durante todo o processo de construção do projeto até a aplicabilidade.
O Centro de Inovação e Saúde Digital está estruturado em um Healthcare Experience Lab, que desenvolve projetos interativos, os quais aplicam a gamificação e as realidades virtual e aumentada para atender demandas do corpo clínico, assistencial e dos pacientes, com destaque para iniciativas em planejamento cirúrgico e treinamento de profissionais da saúde.
Medicina S/A: Para encerrarmos, o que podemos considerar como “Hospital do Futuro”?
José Marcelo: Entendemos que o Hospital do Futuro tem o paciente no centro do cuidado. Além disso, ele traz elementos fundamentais para os modelos de gestão, lidando com a jornada do paciente dentro e fora da instituição. A assistência para gerar experiências memoráveis resulta em grande engajamento dos pacientes no tratamento. O Hospital do Futuro também trabalha com previsibilidade de custos e modelos maduros de compartilhamento de riscos. O investimento na digitalização de processos viabiliza a coleta, o acesso e a integração de informações em tempo real. Com essas inovações, há o desenvolvimento da cultura e do relacionamento com as empresas. O Hospital do Futuro deve ter capacidade de aprendizado, além de disseminar o conhecimento por meio da educação e da validação científica das evoluções e dos investimos na gestão de saúde populacional.