Tomando por base os oito censos mais recentes do IBGE, a população brasileira cresceu 291%, de 51,9 milhões de habitantes em 1950 para 203 milhões em 2022. No mesmo período, o número de médicos saltou de 22,7 mil para 545,7 mil – ou 2.301% de crescimento (Tabela 1).
Em pouco mais de duas décadas, de 2000 a 2022, o número de médicos mais do que dobrou no Brasil. No mesmo período, o país passou de 1,41 para 2,69 médicos por 1.000 habitantes (Figura 1).
No intervalo entre os dois censos mais recentes, o crescimento da população brasileira desacelerou em relação a contagens anteriores, aumentando 6,5%, um acréscimo de 12,3 milhões de habitantes em 12 anos. Já a população de médicos, no mesmo período, cresceu 70,3%, um aumento de 225.290 profissionais em 12 anos. O crescimento está relacionado à abertura de cursos e vagas de graduação em medicina.
Densidade médica semelhante a Japão e EUA
Com 2,69 médicos por 1.000 habitantes, o Brasil passa a ter densidade médica próxima à dos Estados Unidos, Japão, Canadá e Chile. Já Reino Unido, França, Alemanha e Espanha têm densidade médica maior que a brasileira (Figura 2). O Brasil continua abaixo da média dos países da OCDE11, que é de 3,7 médicos por 1.000 habitantes.
Comparações internacionais sobre médicos devem ser interpretadas com ressalvas devido às diferenças na forma como os profissionais são definidos ou contados pelos países.
Não existe norma ou padrão mundial de densidade mínima de médicos recomendada.
Alguns países, como a Inglaterra, consideram o número de profissionais individuais, mas também o full-time equivalent (FTE) da força de trabalho, que equivale ao tempo completo de horas contratadas pelo sistema público de saúde e que são de fato usadas pelos médicos para atender à população.
No caso brasileiro, a intensidade da distribuição desigual de médicos no território e as características do sistema de saúde, que geram maior concentração de profissionais no setor privado do que no SUS, proporcionalmente às populações cobertas, limitam a comparação da taxa nacional com a de outras nações.
Distribuição regional
Considerando que o Brasil registra agora 2,69 médicos por 1.000 habitantes, duas das grandes regiões estão abaixo da média nacional: o Norte, com 1,65, e o Nordeste, com 2,09 (Tabela 2). É a primeira vez, no entanto, que o Nordeste como um todo passa a registrar mais de dois médicos por 1.000 habitantes, embora existam diferenças entre os estados da região.
O Sudeste tem a maior densidade médica (3,62), seguido pelo Centro-Oeste (3,28), muito em função do Distrito Federal, e pela região Sul (3,12).
Ao adequar os dados da população total do país, antes superestimada, o Censo 2022 alterou o ranking de algumas unidades da Federação. Com isso, há mudanças também no cálculo da densidade de médicos.
Dezenove estados, nenhum deles das regiões Sudeste e Sul, têm taxa de médicos por habitantes abaixo da média nacional. Sete estados têm menos de dois médicos por 1.000 habitantes.
São Paulo é o estado mais populoso e o terceiro com mais médicos por habitantes. Já Roraima tem o menor número de habitantes (636 mil) e é o sexto estado com menor densidade médica.
O DF ultrapassou a marca de seis médicos por 1.000 habitantes, maior densidade do país, seguido por Rio de Janeiro (4,19) e São Paulo (3,57).
Com os ajustes da base populacional, Espírito Santo (três médicos por 1.000 habitantes) e Minas Gerais (3,30) passaram à frente de Santa Catarina e Rio Grande do Sul, que antes tinham a maior densidade de médicos. Paraíba continua sendo o estado do Nordeste com mais médicos por 1.000 habitantes (2,89).
Em relação à demografia médica observada anteriormente, alguns estados subiram posições no ranking de médicos por 1.000 habitantes, a exemplo de Piauí, agora com 2,34, e Rondônia (2,67). Outros, como Pernambuco (2,31) e Mato Grosso (2,23), caíram posições.
Maranhão passou a ser o estado com menor densidade médica do país (1,17), lugar ocupado antes pelo Pará, agora com 1,33 médicos por 1.000 habitantes.
A taxa de médicos por 1.000 habitantes segundo os dados atualizados do IBGE “encolheu” nos estados de Amapá, Maranhão, Mato Grosso e Santa Catarina.
Concentração nas capitais
Nove capitais – Salvador, Natal, Belém, Porto Alegre, Recife, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, Vitória e Fortaleza – tiveram retração populacional nos últimos 12 anos, segundo o Censo 2022. Nas demais capitais, a população aumentou, com os maiores crescimentos registrados em Palmas, Florianópolis, Cuiabá, João Pessoa e Manaus.
Assim, houve alterações na taxa de médicos por habitantes em relação à edição anterior do estudo Demografia Médica no Brasil.
Florianópolis, por exemplo, registra quase dois médicos por 1.000 habitantes a menos. A taxa também diminuiu em Cuiabá e São Luís.
Vitória, que já era a capital brasileira com maior densidade médica, tem agora 18,14 médicos por 1.000 habitantes, um acréscimo de 3,65 após o ajuste populacional. A capital do Espírito Santo é seguida por Porto Alegre, Florianópolis, Belo Horizonte e Recife, todas com mais de oito profissionais por 1.000 habitantes.
No outro extremo das capitais, com menos de três médicos por 1.000 habitantes, estão Macapá (2,21), Boa Vista (2,68) e Manaus (2,77).
Desigualdades na distribuição
A desigualdade na distribuição de médicos no Brasil fica ainda mais evidente no agrupamento de municípios segundo estratos populacionais e com base no Censo 2022 do IBGE (Tabela 5).
Dentre os 5.570 municípios do país, 3.861 (69,3%) têm até 20 mil habitantes. Juntas, essas cidades têm cerca de 31,9 milhões de habitantes ou 15,8% da população brasileira. Nesse mesmo conjunto, estão apenas 16,7 mil médicos, ou 2,8% do total de profissionais do país.
Inversamente, nas 41 cidades com mais de 500 mil habitantes, onde vivem 29% da população nacional, estão concentrados 61,5% dos médicos.
As 319 cidades com mais de 100 mil habitantes concentram 57% dos habitantes e 85,5% dos médicos do país.
O estudo Demografia Médica de 2020, por meio de pesquisa, verificou que 27% dos médicos trabalhavam na cidade onde moravam, mas também se deslocavam em algum dia da semana ou jornada para trabalhar em outra localidade; e 8% dos médicos trabalhavam sempre em município diferente de onde moravam. No interior, mais frequentemente, os médicos trabalham em mais de um município diferente do seu endereço de moradia.
Especialistas: concentrados e para poucos
A distribuição de especialistas, assim como dos médicos em geral, é desigual no Brasil. Temos 1,58 médico especialista por 1.000 habitantes, considerando todos os profissionais titulados em pelo menos uma das 55 especialidades médicas reconhecidas e a população do Censo 2022 do IBGE.
Em todas as especialidades estudadas, há desigualdade de distribuição de médicos entre as unidades da Federação. Mas, em algumas delas, os médicos estão ainda mais concentrados em certos estados. A taxa de cirurgiões por 100 mil habitantes no Pará (10,46), por exemplo, é seis vezes menor do que no Distrito Federal (60,84). A densidade de anestesiologistas no Maranhão (4,40 por 100 mil), em outro exemplo, é cinco vezes menor que no Rio de Janeiro (22,54 por 100 mil). Já a média nacional de Medicina de Família e Comunidade, uma das especialidades nos serviços de Atenção Primária, é de apenas 5,54 para 100 mil habitantes, sendo que 15 estados estão abaixo dela.
Distribuição de estudantes de medicina
O indicador estudantes de medicina por 1.000 habitantes enfatiza o movimento da última década, de maior intensidade e dispersão territorial da abertura de cursos e vagas de graduação médica no país.
Os dados referem-se a 224.148 alunos matriculados do primeiro ao sexto ano de medicina em 365 escolas médicas ativas no Brasil em 2021, conforme o Censo da Educação Superior mais recente disponibilizado pelo INEP.
Em números absolutos, os estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais concentram 44% dos estudantes de medicina do país.
Já as maiores taxas de estudantes por 1.000 habitantes são registradas em Tocantins (2,83), Paraíba (1,85) e Rondônia (1,64), com grande concentração nas respectivas capitais – Palmas (3,93), João Pessoa (4,89) e Porto Velho (3,98).
Estados que convivem atualmente com escassez de médicos poderiam se beneficiar no futuro, a exemplo de Piauí (1,35 estudante por 1.000 habitantes) e Acre (1,34), Amazonas, Amapá, Pará e Maranhão, estes com menos de um estudante de medicina por 1.000 habitantes. Seria preciso, nesses casos, conter a migração pendular – de egressos dos cursos de medicina locais que retornam para suas origens, o que exigirá políticas públicas efetivas de permanência de médicos.
Em muitas situações, não bastará fixar ex-alunos no estado onde se formaram, mas também redistribuí-los para cidades do interior. A Bahia, por exemplo, possui um estudante de medicina por 1.000 habitantes, mas a capital, Salvador, concentra 2,77 estudantes por 1.000 habitantes.
Muitas capitais registram superconcentração de estudantes de medicina, indicando possível saturação de cursos e vagas de graduação em grandes centros.
Vitória (ES), a capital com mais médicos por 1.000 habitantes no país (18,14), é também a que concentra mais estudantes de medicina – 6,85 por 1.000 habitantes. Se, em hipótese, todos permanecerem na capital depois de formados, Vitória passaria a registrar impressionantes 25 médicos por 1.000 habitantes.
Outras capitais, como Porto Alegre, Florianópolis e Belo Horizonte, poderão assistir a um aumento desproporcional de médicos por habitantes nos próximos anos se novos cursos de medicina forem autorizados e se não houver mobilidade para outros locais dos egressos das escolas médicas já existentes nessas cidades.
O curso de medicina tem baixa evasão e cada aluno será, potencialmente, um futuro médico. Entretanto, pelos dados disponíveis, a localização das escolas ainda não mostra possível associação com a oferta de médicos. Nota-se que, em 2023, 6 mil vagas de graduação (14% do total) estavam em cidades com menos de 100 mil habitantes.
Por ser fenômeno recente, a “interiorização” do ensino médico demandará novos estudos à medida que avance o tempo de exposição dos egressos dos novos cursos de medicina no mercado de trabalho. Uma das hipóteses é que boa parte dos estudantes, depois de formados, principalmente no interior, não permanece no mesmo local ou região de graduação.
Para além do endereço e do perfil do curso de graduação, deverão ser consideradas as motivações multifatoriais – pessoais, sociais, econômicas e de formação especializada – que levam os médicos a escolherem locais de moradia ou de exercício profissional.
Defasagem na oferta de residência médica
Ao analisar a evolução nacional da taxa de estudantes de medicina por 1.000 habitantes comparada à taxa de médicos cursando Residência Médica (RM) por 1.000 habitantes, percebe-se grande defasagem entre a oferta do ensino de graduação (1,05 estudantes por 1.000 habitantes em 2021) e a oferta da formação especializada (0,21 médicos residentes por 1.000 habitantes). De 2015 a 2023, houve aumento de 57% na oferta de vagas de RM no Brasil, passando de 29.696 para 46.610 vagas, considerando médicos cursando programas de R1 a R6. Entretanto, a disponibilidade de vagas de primeiro ano de residência (R1) não tem sido suficiente para acompanhar o aumento do número de médicos graduados. Além disso, a oferta continua concentrada – São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul têm juntos mais de 60% das vagas de RM.
Brasil poderá ter mais de 1,3 milhão de médicos em 2035
Em 2035, conforme três cenários considerados a seguir, o Brasil terá de um a 1,3 milhão de médicos. As projeções consideraram a taxa de crescimento populacional observada pelo IBGE entre 2010 e 2022 e distintas hipóteses de intensidade de abertura de cursos e vagas de medicina.
O cenário 1, mais “conservador”, considera para os próximos 12 anos o mesmo patamar de novas vagas de graduação observado entre 2018 e 2023, período marcado por relativa “moratória” na abertura de cursos.
Nesse cenário, o número de médicos em atividade no Brasil em 2035 seria de 1.041.608, o que corresponderia à razão de 4,81 médicos por 1.000 habitantes. Em relação ao total de médicos em 2023 (545.767), o aumento seria de 495.841 profissionais (90,8%).
No outro extremo, o cenário 3, mais “expansivo”, leva em conta a continuidade da abertura de cursos de medicina em larga escala. Nesse caso, considerou-se o fato de que, em agosto de 2023, o MEC registrava 335 ações judiciais que demandavam a abertura de novos cursos e 34 ações que visavam aumento de vagas em cursos já existentes, totalizando 60.327 novas vagas pretendidas por Instituições de Ensino Superior (IES) privadas.
O cenário 3 considera a hipótese de liberação de todas as vagas judicializadas, o que levaria a um aumento hipotético de 8.619 novas vagas de graduação por ano, em média, no período projetado. Para cálculos da projeção até 2035, o último ano inserido no modelo foi 2029, considerando os seis anos de duração do curso de medicina. Quer dizer, novas escolas e vagas abertas após 2029 não formarão médicos antes de 2035.
No cenário 3, o Brasil contaria com 1.362.269 médicos e razão de 6,30 médicos por 1.000 habitantes. O aumento seria de 816.502 novos médicos (150%).
O cenário 2, “intermediário”, considera que nem todos os cursos judicializados serão abertos, mas prevê novas autorizações como consequência de decisões recentes do MEC e do STF. Para efeito desse cenário de projeção, arbitrou-se que pelo menos dois terços das vagas pretendidas por instituições de ensino privadas (cerca de 40 mil) seriam autorizadas pelo governo federal, seja via novos editais da lei Mais Médicos ou após tramitação iniciada no MEC por força de liminares.
Isso acarretaria um aumento hipotético de 5.720 novas vagas de graduação por ano, em média, no período projetado.
No cenário 2, o país chegaria a 2035 com um total de 1.247.690 médicos e taxa de 5,77 médicos por 1.000 habitantes. Seriam acrescidos 701.923 médicos, um aumento de 128,6% em relação a 2023.
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Sobre o estudo Demografia Médica
O estudo Demografia Médica no Brasil é coordenado pelo Professor Mário Scheffer, livre-docente do Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). Atualmente, o estudo é uma cooperação técnica entre USP e Associação Médica Brasileira (AMB), e conta com parcerias com o Ministério da Saúde (Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde – SGTES), a Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS) e a Fundação Faculdade de Medicina (FFM).