Desperdício nos cofres públicos compromete a saúde

Por Gonzalo Vecina Neto

Enquanto os olhos estão voltados para o longo e desafiador combate à pandemia de Covid-19, o Ministério da Saúde tomou uma decisão, sem explicação lógica, que pode aumentar significativamente os custos do Sistema Único de Saúde (SUS) e impactar milhões de brasileiros.

O plano é comprar 66,2 milhões de canetas de insulina humana descartáveis este ano, conforme audiência pública aberta em 22 de fevereiro. Isso corresponde a praticamente todo o volume do medicamento comprado no ano passado. As questões que não querem calar são: por que canetas, em vez dos frascos, que são mais baratos? E por que descartáveis?

As canetas de insulina têm o mérito de serem mais práticas para o uso dos diabéticos. Estima-se que 15,7 milhões de pessoas tenham a doença no Brasil, segundo a Federação Internacional de Diabetes (IDF, na sigla em inglês), e boa parte depende do fornecimento deste medicamento pelo SUS. Entretanto, justamente para atender cada vez mais – e melhor  – estes pacientes, o custo do produto e a sustentabilidade do sistema precisam ser levados em consideração.

A intenção de comprar as canetas de insulina descartáveis ainda contraria a recomendação da própria Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (CONITEC).  Em 2017, a comissão defendeu a compra de canetas reutilizáveis (e não descartáveis) pelo Governo Federal com o argumento de contribuir para aumentar a adesão aos tratamentos. Nas contas da CONITEC, os custos de aquisição destes dispositivos cairiam gradativamente de 2018 a 2021.

Na prática, ocorreu o contrário. Quem acompanha os pregões públicos relacionados a este medicamento poderá constatar que a compra de canetas de insulina humana descartáveis planejada para este ano, se concretizada para o período de dois anos, custará aos cofres públicos seis vezes mais do que calculou a CONITEC para um triênio. Ainda, as tais canetas custam três vezes mais que os frascos do mesmo medicamento, considerando-se a capacidade de cada uma das apresentações do produto.

Além de impactar negativamente as contas do SUS, que trará reflexos na capacidade do atendimento a toda a população brasileira neste contexto crítico da pandemia, a decisão ainda desestimula a competitividade da indústria nacional no fornecimento destes medicamentos.

O setor de saúde responde por 10% do PIB brasileiro e movimenta R$ 700 bilhões por ano, de acordo com levantamento recente coordenado pela Fiocruz, portanto, é altamente relevante que se mantenha produtivo, competitivo e criando empregos.

O Brasil precisa reforçar a agenda de desenvolvimento tecnológico na saúde, abrangendo um ecossistema que começa na pesquisa e se estende até a ponta dos serviços nas unidades de saúde, passando por produção e distribuição. Do contrário, seguiremos reféns de tecnologias, medicamentos, vacinas e insumos produzidos no exterior, com custo mais alto ou fornecimento mais complexo.

A decisão do Ministério da Saúde vai na contramão das iniciativas do setor, de incorporar soluções inovadoras para reduzir custos e otimizar tratamentos concomitantemente. É fundamental que os recursos públicos sejam alocados de forma inteligente para garantir que um número cada vez maior de brasileiros tenha acesso a tratamentos de controle de diabetes.

O valor excedente da compra de canetas de insulina humana descartáveis poderia ser aplicado também em serviços assistenciais ou compra pelo SUS de medicamentos indicados para outras doenças.

Vale ressaltar ainda a importância de campanhas de conscientização com foco em prevenção. Afinal, os prognósticos de crescimento dos casos de diabetes são alarmantes. A IDF estima que 700 milhões de pessoas no mundo serão diagnosticadas com a doença em 2045, contra 463 milhões em 2019, quando ocorreu o último levantamento da entidade.

O Brasil é o país com o maior número de diabéticos na América Latina. Uma em cada três pessoas na região latino-americana não sabe que tem a doença, portanto, esse contingente significativo corre o risco de desenvolver graves complicações. Além do importante comprometimento da saúde e da qualidade de vida nestes casos, o resultado é uma pressão ainda maior nos custos e na capacidade de atendimento do sistema de saúde – tanto da rede pública quanto privada.

Vale lembrar que a diabetes é um fator relevante de comorbidade para a Covid-19, o que requer atenção redobrada para o diagnóstico, prevenção e tratamento adequado.

Evitar o desenvolvimento de doenças e reduzir as complicações delas são formas eficientes de favorecer a sustentabilidade do sistema de saúde e promover bem-estar para a população. Mas para viabilizar uma balança equilibrada entre receita e saúde, é preciso ter estratégia para priorizar as políticas públicas que beneficiem todos, oferecendo acesso universal e atenção integral à saúde – sem desperdiçar recursos públicos.

Com a palavra o Tribunal de Contas da União e o Ministério Público. Não há o que esperar do Ministério da Saúde.

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*Gonzalo Vecina Neto é médico sanitarista e professor da Faculdade de Saúde Pública da USP e da EAESP/FGV.

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