Nos últimos anos, houve uma onda crescente de exemplos de aplicativos para celular, dispositivos de IoT (Internet of Things, ou internet das coisas) para telemonitoramento e sistemas para acompanhamento de pacientes – de crônicos a idosos, passando por gestantes e crianças. Alguns, inclusive, traziam algoritmos de teletriagem baseados em inteligência artificial, integração com sistemas de gerenciamento de pacientes, emprego do Whatsapp e redes sociais, medidores com wireless, etc. Se esse mercado no Brasil fosse simples, no entanto, as primeiras empresas e startups que propuseram esse tipo de solução há quase 10 anos já teriam tido sucesso comercial.
O que aconteceu foi diferente: uma grande quantidade desses negócios acabou pivotando ou nem existe mais. Enfim, não tiveram sucesso nesse nicho de mercado. Ainda há tentativas de promover esse tipo de solução chegando ao mercado brasileiro a cada três ou quatro meses, principalmente oriundas de empresas lideradas por empreendedores da área de tecnologia.
Provavelmente, esses empreendedores não devem ter observado que o problema não é uma questão técnica nem ligada a um modelo de negócio errado. Os fracassos ocorrem porque não se vislumbrou uma importante contribuição para a jornada do paciente ou usuário. E se essa jornada não foi corretamente modelada, um nível adequado de adesão à solução digital dificilmente ocorrerá com o passar do tempo.
Na busca por modificar o quadro de não adesão, cientistas da área de informática em saúde começaram a estudar possíveis conceitos que permitissem ampliar a jornada do paciente para além da presença física do profissional de saúde, promovendo uma continuidade do cuidado – mesmo com o paciente retornando para sua casa e retomando suas rotinas diárias.
O QUE É CUIDADO HÍBRIDO?
Em 2018, foi cunhado pela primeira vez o termo “Cuidado Híbrido”, do inglês blended healthcare ou blended care. Em linhas gerais, o cuidado híbrido se baseia na junção de atividades envolvendo o atendimento presencial e o cuidado digital para prover o acompanhamento do paciente no seu autocuidado.
O conceito foi baseado em um artigo publicado na “Harvard Business Review” pelo professor Ph.D. Darryl Rigby. No artigo, ele comenta sobre o fenômeno “fisital” – que associa ao aprendizado de empresas que ignoraram o movimento digital e de empresas que concluíram que o mundo digital acabaria com suas posições.
As duas visões estavam equivocadas. Ou seja: cada vez mais as empresas precisarão ter seus modelos de relacionamento com o cliente e com o mercado contemplando esses dois ambientes: offline e online. Baseada nesse entendimento é que foi proposta a aplicação de um método empregando o cuidado digital associado a um cuidado físico.
Isto é, a junção de atividades envolvendo o cuidado digital – que pode estar relacionado a um processo automático ou não (como o uso de dispositivos eletrônicos para medição e comunicação wireless) – com o objetivo de prover um acompanhamento do paciente em apoio ao cuidado físico.
No cuidado híbrido, a plataforma digital atua como extensão do atendimento físico. Um é complementar ao outro, não importando a proporção do uso de cada um durante o processo de cuidado do indivíduo assistido.
COMO TELESSAÚDE E TELEMEDICINA SE LIGAM AO CONCEITO
O cuidado híbrido tem como objetivo modificar positivamente tanto a jornada do paciente quanto a intervenção na sua experiência com relação ao seu cuidado contínuo. Funciona como uma ponte entre a prestação tradicional de assistência presencial e as soluções de saúde digital.
Esse cuidado se apoia no uso de plataformas baseadas em biotelemetria e telemonitoramento ativo, cuja inspiração advém da utilização de protocolos de classificação de pacientes, como é o caso do protocolo de Manchester.
A biotelemetria é uma área advinda da engenharia biomédica cuja definição é a transmissão de sinais biológicos, fisiológicos e de comportamento de uma localização remota para uma localidade com capacidade de receber e analisar os dados. O propósito desse monitoramento a distância é gerar evidências – e, posteriormente, intervenções baseadas nessas evidências.
Essas plataformas geram uma grande massa de dados que permitem identificar padrões de comportamento e, com isso, promover uma melhor gestão da condição de saúde de forma individual – ou personalização do cuidado.
O conceito está intrinsicamente ligado à telessaúde e telemedicina. A Organização Mundial da Saúde (OMS) define telessaúde como “o uso de Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) para prestar serviços de saúde a distância”. E define telemedicina como “a oferta de serviços ligados aos cuidados com a saúde nos casos em que a distância é um fator crítico”.
A telemedicina é dividida em diversas subáreas ou modalidades conforme a aplicação, que vão desde telediagnóstico, telecirurgia, teleconsulta, teleinformação, telereabilitação, teleassistência e telemonitoramento – e passando por teletriagem, teleorientação, teleinterconsulta, entre outras denominações que vão surgindo até mesmo na literatura cinzenta.
DEFININDO PADRÕES
O cuidado híbrido também está alinhado com as tendências mundiais de aplicação de mHealth, o uso de tecnologias móveis e sem fio, como smartphones, smartwatchs, dispositivos de telemonitoramento de pacientes, assistentes pessoais digitais e aplicativos de softwares móveis (apps), para apoiar a realização dos objetivos da área de saúde.
Por sua vez, mHealth é um subconjunto de eHealth (saúde digital). De posse de um smartphone conectado na internet, os pacientes poderão transmitir suas medidas fisiológicas, biológicas e de hábitos durante os diversos momentos da sua rotina diária (dormir, caminhar, trabalhar, descansar e interagir socialmente). Ao analisar esses dados no tempo (data e horário), é possível identificar determinados tipos de padrões de comportamento.
Neste cenário de aplicação de tecnologias, as soluções de prestação de serviço de saúde baseadas em cuidado a distância promovem um impacto positivo junto aos pacientes. Entende-se que associar a coordenação do cuidado em saúde com ferramentas tecnológicas baseadas em saúde digital para promover o cuidado híbrido reflete, inclusive, uma necessidade para esse atual período de pandemia que o Brasil e o mundo se encontram.
É notório o entendimento de que os extremos podem não ser a melhor solução quando envolvem seres humanos. Nesse sentido, 100% de uma solução digital não conseguiram superar a barreira de uma adesão adequada, enquanto 100% usando somente o cuidado físico não se mostraram financeiramente sustentáveis em um país continental como o Brasil.
Diante disso, por que não buscar o equilíbrio trazendo as melhores práticas de ambas as abordagens? Quem sabe não chegou a hora de misturar? Agora é ver para crer!
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