Problemas sociais e econômicos, como a desigualdade, além de outras estruturas urbanas e da própria saúde ainda não tiveram tempo de se ajustar a esse contexto de aumento da longevidade, o que acarreta diversos desafios.
Sem dúvida, o direito ao envelhecimento com qualidade de vida e dignidade deveria ser assegurado a todos, mas, vimos que o avançar da idade de forma acelerada coloca à prova não só as nossas instituições, como também a capacidade de adaptação e resiliência dos serviços básicos. A França, por exemplo, levou cerca de 140 anos para dobrar a proporção de idosos em 10% para 20%¹, ao passo que o Brasil viu seu número de idosos aumentar em 57,4% em apenas 12 anos, de acordo com o Censo Demográfico de 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)². É justamente essa disparidade que gera a intensa necessidade de que as cidades estejam preparadas para a população sênior em um tempo reduzido, seja implantando maior acessibilidade em transporte público e coletivo, ou com espaços de socialização e de ambientes urbanos pensados para esse público, proporcionando a eles mais autonomia, mobilidade e bem-estar.
Para além da infraestrutura urbana, também enfrentamos dificuldades no sistema de previdência e saúde pública, uma vez que os recursos, já escassos, são cada vez mais pressionados pelo aumento da população idosa. Considerando a maior prevalência de doenças crônicas e necessidades de cuidados específicos, muitas vezes prolongados, para essas pessoas, o impacto é ainda mais acentuado. Os custos associados a certas doenças e a falta de medidas preventivas contribuem ainda mais para um processo de envelhecimento crítico e mais distante do que nós, profissionais da saúde, consideramos como ideal.
Gosto de citar o modelo proposto pelo Institute for Healthcare Improvement (IHI) – de cuidados com a saúde – que enfatiza a importância do envelhecimento saudável baseado nos “4Ms” (do inglês): Mobilidade, Gestão de Medicamentos, Saúde Mental e Propósito. São quatro pilares fundamentais para manter uma vida ativa, integrada, com mobilidade física, pensando não somente na saúde musculoesquelética, mas também na segurança, independência e autonomia dos idoso. Para esse ecossistema funcionar, é essencial prevenir condições que influenciam diretamente na manutenção dessa autossuficiência. Um bom exemplo é a osteoporose, uma patologia silenciosa e multifatorial que pode causar quedas e fraturas de grande impacto, deixando a pessoa com muito menos autonomia. E ela não é uma condição que atinge apenas pessoas com idade muito avançada, mas pode sim começar em fases como a menopausa, para as mulheres, ou a andropausa, para os homens.
Outro fator agravante no Brasil, em especial para os idosos, é o que chamamos de polifarmácia: pacientes que fazem uso de vários medicamentos ao mesmo tempo, por enfrentar condições diversas, e que estão mais propensos a quedas e acidentes devido a efeitos colaterais – como tontura e confusão mental. Para o paciente osteoporótico, essa questão é ainda mais grave, uma vez que, por ter baixa densidade óssea e maior fragilidade, uma queda da própria altura é potencialmente arriscada e pode fraturar quadril, punhos ou coluna. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), em 2019, houve 178 milhões de novas fraturas ao redor do globo, representando um aumento de 33,4% no número comparado ao índice desde 1990. A organização credita parte desse impulsionamento ao crescimento populacional e envelhecimento³.
Vale levar em conta que fraturas por fragilidade causadas pela osteoporose, para além de todos os transtornos causados aos pacientes, com perda da independência e mobilidade, também geram custos consideráveis para o sistema saúde, sobretudo em relação à hospitalização e internação, já que, frequentemente, existem complicações que demandam cuidados específicos e prolongados.
No Brasil, cerca de R$ 81 milhões foram gastos pelo Sistema Único de Saúde (SUS), somente em 2010, para atender pacientes osteoporóticos e vítimas de quedas e fraturas. O número anual de fraturas de quadril, que, nesse mesmo ano era de 121.700, está projetado para alcançar 160.000, até 2050.⁴ Estamos falando de custos com cirurgias, acompanhamento médico, reabilitação, medicamentos e equipamentos médicos para restabelecer a mobilidade, entre outros.
Por isso, a abordagem médica adequada e um sistema de saúde capacitado em geriatria são tão importantes para não só incentivar hábitos mais saudáveis, como a prática de exercícios, uma dieta rica em nutrientes e integração das especialidades – sobretudo para que a interação medicamentosa não cause mais problemas do que benefícios – compõem o cenário ideal para promover a qualidade de vida da terceira idade.
Outra metodologia inspiradora que acompanho e gosto de usar como exemplo de um bom acompanhamento é a Buurtzorg, uma organização de enfermagem domiciliar holandesa sem fins lucrativos fundada em 2006⁵ que promove um olhar holístico sobre o envelhecimento, levando em conta não apenas a saúde física, como também mental e social. Nela, consideramos, inclusive, o ambiente em que o idoso vive, assim como seus relacionamentos – isso porque a solidão é um fator de risco significativo para a saúde dos idosos.
Dados do IBGE, publicados no Observatório Nacional da Família, do Governo Federal, mostram que entre idosos de 60 a 64 anos, cerca de 13,2% já teriam sido diagnosticados com depressão. Na população de 65 a 74 anos, o índice é de 11,8%, enquanto os com 75 anos ou mais, representam 10,2%⁶. A doença frequentemente afeta a disposição da pessoa e desencadeia um ciclo vicioso de má alimentação, inatividade física e declínio cognitivo. Esses fatores combinados exigem uma abordagem ampla e integrada para cuidar dessa população.
Se, por um lado, o envelhecimento é um fenômeno inevitável em uma sociedade que desenvolve a cada dia soluções e tecnologias inovadoras para uma série de problemas cotidianos, seu enfrentamento não deveria ser opcional. É inadiável adotarmos um compromisso unindo políticas públicas e projetos de infraestrutura para promover um envelhecimento digno, saudável e sustentável, garantindo mobilidade, acessibilidade e saúde integrada para aqueles que, com uma bagagem carregada de histórias e vivências, chegaram à velhice – e devem poder desfrutar dessa fase com a maior qualidade de vida possível.
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*Martha Oliveira é médica, com mestrado em Saúde Pública e doutorado em Envelhecimento pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro. CREMERJ – 69396-0