A Neuromielite Óptica, historicamente conhecida como doença de Devic, é uma doença autoimune que causa perda de visão em um ou ambos os olhos, devido a uma inflamação do nervo óptico³.
Até então classificada como uma manifestação severa de esclerose múltipla, a NMO foi redefinida em 2004, por meio da identificação da proteína aquaporina-4 (AQP4), o canal de água mais comum no sistema nervoso central. A resposta autoimune contra esta proteína – associada a 80% dos casos de NMO4 – resulta em inflamação, levando à destruição de células e fibras nervosas no nervo óptico e na medula espinhal³.
Para a comunidade médica, identificar uma nova doença é um passo para ajudar mais pacientes que passam por uma jornada longa na procura de tratamento. Porém, existem desafios maiores nessa jornada, que podem atrasar o diagnóstico e, consequentemente, o tratamento.
O primeiro desafio começa pelos sintomas. Eles podem variar, indo desde uma perda ou diminuição da visão até redução de força nos braços e pernas². A partir daí, os pacientes costumam procurar primeiramente por médicos ortopedistas ou oftalmologistas, o que atrasa o acesso ao neurologista, que, com exames assertivos, como a ressonância magnética, poderá dar o diagnóstico correto. Como a NMOSD é uma doença que requer uma investigação minuciosa, o tempo de tratamento do surto é essencial, uma vez que, a partir de dois dias da ocorrência do surto, a chance de recuperação completa visual e motora cai drasticamente. Os surtos, ou ataques da Neuromielite Óptica, são identificados quando sintomas específicos de uma parte do sistema nervoso, como olhos e/ou medula, duram mais de 24 horas e persistem nos dias e semanas seguintes5, 10.
Outro grande desafio é o tratamento. Por ser uma doença que, até recentemente, era confundida com esclerose múltipla, muitos pacientes ainda utilizam medicamentos off-label (sem estudos duplo-cego-randomizados) especificamente para NMOSD, o que compromete a eficácia terapêutica. Segundo estudo da Associação Brasileira de NMOSD (ABNMO), cerca de 42% dos participantes dependem exclusivamente do Sistema Único de Saúde (SUS) para o tratamento6, e a ausência de um protocolo clínico específico para a NMO no SUS dificulta tanto o diagnóstico quanto o acesso aos cuidados adequados. A melhor alternativa é o tratamento com equipe multiprofissional para reabilitação, incluindo fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais e urologistas, especialmente para os casos mais graves7.
Ainda sobre o tratamento, 72% dos participantes do estudo relataram o uso de medicamentos off-label – ou seja, medicamentos que não foram especificamente aprovados para a NMOSD, mas utilizados devido à falta de alternativas. Além disso, 25% dos pacientes dependem de esteroides orais como parte do tratamento6.
Mas o maior desafio da NMO é a inserção social e econômica dos indivíduos diagnosticados. Segundo um estudo brasileiro, 79% dos pacientes diagnosticados com NMOSD são mulheres. Considerando que mais de 48% das famílias brasileiras são sustentadas por mulheres9, e que 56% dessas mulheres são negras10, o impacto da doença ultrapassa o campo da saúde, afetando diretamente a estrutura socioeconômica das famílias. Aproximadamente 50% dos pacientes com NMO desenvolvem sequelas motoras e visuais graves após cinco anos de evolução da doença, e 60% dos pacientes com sequelas motoras necessitam de auxílio para realizar atividades diárias, aumentando a dependência de terceiros e dificultando a participação plena na sociedade 11, 12.
Diante de todos os desafios apresentados, as soluções passam por uma educação continuada para neurologistas e neurorradiologistas, visando a identificação precoce da doença, já que a falta de familiaridade dos profissionais de saúde com a NMOSD contribui para atrasos no diagnóstico. Além disso, é fundamental o trabalho conjunto entre a indústria farmacêutica e o governo para a criação de políticas públicas que ampliem o acesso da população aos tratamentos, bem como o desenvolvimento de tecnologias que proporcionem medicamentos de linha de frente para um tratamento multiprofissional.
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*Ana Cláudia Piccolo é formada em Medicina pela Universidade Estadual de Londrina (UEL), com residência médica e mestrado em Neurologia pela UNIFESP-EPM. Atua no Ambulatório de Doenças Desmielinizantes e Esclerose Múltipla da FMBAC, é professora de Medicina e coordenadora da COREME da Universidade Municipal de São Caetano do Sul (USCS) e preceptora dos programas de residência médica de neurocirurgia e clínica médica no Hospital Municipal Prof. Dr. Alipio Corrêa Netto, onde coordena o setor de Clínica Médica. Atualmente é coordenadora do Departamento Científico de Neuroimunologia da Academia Brasileira de Neurologia, membro da EMPLUS e da Imuno Brasil.