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Entrevista

Perspectivas dos CEOs da Saúde

Bruno Porto, Líder do Setor de Saúde da PwC Brasil, analisa os resultados da 26ª CEO Survey, que traça as perspectivas de crescimento e prioridades estratégicas das lideranças para o ano.

64% dos CEOs brasileiros de saúde esperam uma aceleração da economia do país em 2023, ante 30% na média global do setor. Os resultados da 26ª Global CEO Survey, da PwC, que entrevistou 4.400 executivos, ilustram a profundidade dos desafios e o que fazer para gerar oportunidades. De um lado, a maioria considera vital reinventar seus negócios para o futuro em um mundo de disrupção e inovação. De outro, eles se mobilizam para enfrentar um cenário com instabilidade econômica global, inflação, rupturas nas cadeias de suprimento e conflitos geopolíticos.

Em um horizonte de 12 meses, 61% dos CEOs brasileiros da área de saúde disseram estar extremamente ou muito confiantes, percentual próximo ao registrado junto aos CEOs de todos os setores pesquisados (60%). Na média mundial, os executivos de saúde (48%) estão mais otimistas sobre a geração de receitas nas empresas do que o conjunto dos CEOs globais (42%).

Esse duplo imperativo – encarar o presente e ao mesmo tempo se transformar para o futuro – os coloca em uma encruzilhada inédita que exige ação imediata, inclusive na área tecnológica. Em entrevista para a Medicina S/A, Bruno Porto, Líder do Setor de Saúde da PwC Brasil, analisa os resultados da pesquisa.

Medicina S/A: A pesquisa revelou que 64% dos executivos brasileiros de saúde esperam uma aceleração da economia do país em 2023, ante 30% na média global do setor. Quais são os fatores que têm contribuído para essa perspectiva positiva?

Bruno Porto: O primeiro contexto é que esse é um fenômeno do Brasil todo, é multissetorial. Então, quando pegamos o recorte Brasil, há essa perspectiva para 66% dos respondentes. O mesmo acontece com o resto do mundo, que tem uma perspectiva de desaceleração, e não de aceleração. O otimismo do setor de saúde no Brasil tem relação também com o número de pessoas que voltaram para o mercado de trabalho. A saúde suplementar, por exemplo, retornou a um patamar superior a 50 milhões de vidas cobertas. Sabemos que quanto mais houver gente coberta por saúde suplementar, melhor a perspectiva de crescimento do setor como um todo. Vemos também reestruturações importantes de operadoras. Há um aumento de foco em saúde baseada em valor, o que tem tirado um pouco da pressão inflacionária. E, por fim, vemos um movimento no setor público também. Com a mudança de governo, o SUS tem perspectivas muito mais assistencialistas e certamente com ampliação de gastos.

Medicina S/A: Essa perspectiva é diferente quando falamos de economia global. 76% dos executivos brasileiros esperam desaceleração. Quais são as ameaças que mais preocupam?

Bruno Porto: Quando essa mesma pergunta é feita com relação à expectativa de crescimento e à desaceleração da economia do ponto de vista global, não no próprio país, o Brasil percebe que o mundo passa hoje por uma desaceleração do crescimento. A gente vê, por exemplo, inflação alta na Inglaterra e possibilidade de recessão nos Estados Unidos. Esses grandes mercados têm passado por um momento complexo, pois foram muito afetados pela Guerra da Ucrânia e pelas quebras de cadeias de suprimentos e energia, principalmente na Europa. A situação é de efetiva desaceleração. Na Inglaterra, para se ter uma ideia, onde existe o NHS, tenho acompanhado o pleito de aumento salarial de 20%, inclusive com greves para reivindicá-lo. E isso num momento de desaceleração, de aumento no custo de energia, disrupção de algumas cadeias, diminuição de crescimento, alta inflação e possibilidade de recessão mundial. Esse é o fator principal para a visão brasileira mais negativa com relação ao crescimento mundial.

Medicina S/A: Os executivos de saúde também estão mais otimistas sobre a geração de receitas nas empresas do que o conjunto dos CEOs globais. De que maneira esses executivos esperam alcançar esse crescimento?

Bruno Porto: Há mais otimismo tanto no setor de saúde global, com 48%, quanto no setor de saúde no Brasil, com 60%. São números superiores à média total. Temos, por exemplo, a indústria farmacêutica com grandes investimentos em pesquisa e desenvolvimento
nos últimos anos, os quais resultarão agora no lançamento de novos medicamentos revolucionários. Temos visto determinadoss medicamentos gerando incrementos impressionantes de receitas. Há empresas focando em oncologia, focando no tratamento de diabetes, em emagrecimento, nos problemas cardíacos e neurológicos, por exemplo. Há todo um investimento nessa direção. Na parte de serviços de saúde, com os hospitais e operadoras, há um aumento do número de carteiras assinadas, de emprego no Brasil, que resulta, do ponto de vista corporativo, em mais planos de saúde. O número de vidas com saúde suplementar no país já ultrapassou os 50 milhões e está numa crescente.

Medicina S/A: Perguntados sobre os fatores que mais podem afetar a lucratividade em seus setores nos próximos dez anos, tanto os CEOs de Saúde no Brasil como os líderes de todas as indústrias no país citaram as inovações tecnológicas em primeiro lugar. Na prática, o que isso significa?

Bruno Porto: Inovação tecnológica, sem dúvida, é o fator principal. Mas, nesse ponto, a pesquisa salienta a visão de futuro. O setor de saúde talvez seja um dos que mais tenham ficado para trás, não tem avançado tanto quanto os outros na relação com o cliente. No caso, com o paciente, no que se refere ao digital, aos aplicativos, a fazer uma conexão, a oferecer um serviço online, como acontece com varejo e finanças, por exemplo. Telemedicina, no Brasil e em vários lugares do mundo, só se tornou prevalente durante a pandemia, algo, portanto, forçado a acontecer. Além disso, o próprio setor de saúde procura se transformar digitalmente, por meio de parceria com ecossistemas, fazendo toda a transformação de cultura nessas empresas, que são geralmente mais tradicionais no pensamento. Claro, são empresas de altos riscos, focadas em garantir a vida e o bem-estar das pessoas, então, precisam ser mais conservadoras em relação a determinados modelos. Mas, de fato, a transformação digital tem que acontecer no setor, porque vai permitir a redução de custos, o desenvolvimento de novos modelos de negócio e a adaptação a um mundo que é transformacional. 

É preciso mudar aquela mentalidade industrial de se fazer negócio sem escutar o paciente, sem fazer análise clínica de medicamentos, sem personalizar medicamentos, que é uma tendência, sem conhecer bem o paciente na ponta. Tudo isso é fundamental para que esse setor tenha sustentabilidade financeira e se perpetue. O desafio é enorme, e por isso foi apontado na pesquisa.

Medicina S/A: A pesquisa mostra que os líderes do setor no país pretendem concentrar os investimentos em automação de processos e sistemas e implantação de tecnologias avançadas.

Bruno Porto: Todos esses fatores de transformação digital, como uso de IA, migração para cloud, olhar para a questão da cultura, automação, redução de custo, tudo isso está muito presente na agenda dos CEOs de saúde, seja nas operadoras, seja nos hospitais ou mesmo na indústria farmacêutica. É uma agenda de redução de custos. Na indústria farmacêutica, o foco é em P&D, com recursos cada vez maiores, visando personalizar e conhecer cada vez mais os pacientes. O mesmo vale para os hospitais, em que a disrupção da cadeia de suprimentos afetou demais os custos de materiais médicos e medicamentos. E vale também para as pessoas. A gente precisa trazer as pessoas para um momento em que elas vão alimentar com dados os sistemas, os quais serão tratados e levarão a melhorias operacionais constantemente. Então, a parte de prontuário eletrônico, de prescrição eletrônica, por exemplo, precisa ser implementada, e isso tem acontecido num ritmo crescente, embora ainda tímido. Mas esse foco está muito bem pontuado pelos CEOs e faz parte da transformação que o setor passa.

Medicina S/A: De um modo geral, como você vê as perspectivas para a saúde digital em curto e médio prazos no Brasil?

Bruno Porto: A saúde digital no Brasil, em curto e médio prazos, tem boas perspectivas. O que vemos nos últimos anos, e não é algo novo, é uma quantidade enorme de startups surgindo no setor de saúde. É um dos setores que mais geram novas startups. Algumas com muito sucesso, outras com mais dificuldades e que acabam deixando de existir, mas todas tentando trazer inovações para um setor mais tradicional, complexo, que lida com a vida e com fatores que possuem um grau de incerteza, devendo ser, portanto, menos suscetível a erros. Olhando para a frente, vemos as healthtechs tendo um papel fundamental na aceleração de transformações e ao trazer novos processos para hospitais. A adequação disso tem sido desafiadora. Grandes grupos que adquiriram diversas startups têm se desafiado a incorporar esses novos processos no dia a dia. Essas sinergias têm aparecido mais lentamente, mas é um caminho sem volta. Há também alguns players que têm olhado para dentro e fomentado essa transformação internamente, ou seja, fazendo um upskilling no seu pessoal. No caso, a transformação se dá e é feita pela própria empresa. Algumas dessas tentativas têm tido muito sucesso, e isso tem acontecido de várias formas. O importante, aqui, em curto e médio prazos, é manter essa abertura para com o ecossistema. Trazer, sim, healthtechs para resolver determinados problemas, mas alimentando uma cultura interna e com o time consciente e engajado nessa transformação. Portanto, trata-se de buscar o melhor dos dois mundos: fazer a transformação interna, a inovação de dentro para fora, na visão de transformação digital, e integrar-se ao ecossistema de forma colaborativa por meio das healthtechs. No médio prazo, essa é a tendência que precisa ser almejada.

Medicina S/A: Em termos de oportunidades, o Brasil aparece em quinto lugar como mercado considerado relevante, empatado com França e Japão. Os Estados Unidos e a Alemanha lideram a lista. Em sua opinião, como tornar o mercado brasileiro de saúde ainda mais competitivo?

Bruno Porto: Essa posição do Brasil com relação a outros países, lá embaixo, e Estados Unidos e Alemanha mais à frente, é claramente muito mais focada na indústria farmacêutica do que nos demais setores. Note que o segmento de operadoras, pagadoras e hospitais tem baixa presença de investidores estrangeiros. Não se vê grandes grupos de hospitais e grandes operadoras de planos migrando para cá, indo além das fronteiras naturais em que surgiram. É uma característica global. Quem já fez esse movimento, claro, tem desafios gigantes. Mas esse índice é muito focado na indústria farmacêutica, onde o Brasil não está na ponta. A liderança dos Estados Unidos é por ter uma indústria farmacêutica muito forte, um mercado de saúde e medicamentos de altíssimo valor, com receitas anuais trilionárias. E a Alemanha é um grande polo em P&D, com áreas muito conectadas entre universidades e negócios. É de lá que surgiu, inclusive, uma das vacinas principais que nos salvaram da Covid. Para o Brasil mudar de patamar em investimentos, é preciso atacar o custo-Brasil, melhorar o acesso ao capital, desenvolver mais a rede de inovação e conexão com universidades, e, por fim, fomentar a indústria local. A indústria farmacêutica no Brasil é muito focada em genéricos e medicamentos não muito revolucionários. Esses medicamentos vêm importados para serem revendidos, e o que produzimos aqui é com base em IFA também importado. Essa segurança de fabricação e manufatura que o Brasil precisa é um dos primeiros passos para tornar o nosso país mais atraente para investimentos que estabeleçam novos negócios, como fábricas, por exemplo.

Medicina S/A: Para encerrarmos, qual é a agenda necessária para que os CEOS da saúde no Brasil transformem as dificuldades em oportunidades?

Bruno Porto: Esse é o dia a dia de qualquer empresário brasileiro atualmente. No setor de saúde, os CEOs e CFOs devem focar em alguns temas que apareceram na pesquisa. Primeiro, a transformação digital como forma de trazer mais eficiência para os processos, modernizar e digitalizar a empresa, com mudança de cultura, abrindo as portas e trazendo essa porosidade para com o ecossistema, com o apoio das healthtechs. Tudo isso precisa estar bem claro na estratégia da empresa, ser bem coordenado, e requer governança bem definida. Então, trata-se de incorporar a transformação digital na estratégia e concatenar todas as ações de mudança do negócio.

Segundo, é o uso massivo de dados, buscando mais eficiência, conhecer mais o paciente, trazer mais predição e prevenção, buscar contatos em áreas adjacentes, saindo da visão de que saúde é só cuidar de doença e começa na porta do hospital, para uma visão mais ampla, com essas parcerias. Um movimento para entender melhor o paciente e conhecer toda a sua jornada. Visualizar o paciente como um todo nesses novos modelos de negócios certamente vai trazer mais receitas e uma visão mais integral de saúde. Isso vale para todos os players: indústria farmacêutica, operadoras e hospitais buscando eficiência operacional. Em terceiro lugar, o Brasil em si passa por um momento de discussão de reforma tributária, sobre taxa de juros, crescimento e metas de inflação, e a saúde é muito sensível a essas questões.

Há, também, a questão do emprego, o Brasil tem diminuído o desemprego, é uma tendência que precisa continuar. Nesse contexto, para transformar esse cenário em oportunidade, é preciso acelerar todas essas ações de eficiência, redução de custo e melhoria operacional e buscar novos mercados, novos modelos e novas formas de precificar a saúde. E tudo isso com foco na qualidade e no bom atendimento diferenciado utilizando a tecnologia.

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