À frente da Afya está o carioca Virgilio Gibbon. Aos 47 anos, ele tem a missão de não só ampliar a liderança em educação médica como expandir a presença em serviços digitais, segmento no qual entrou no auge da pandemia, em 2020. Em entrevista à Medicina S/A, acompanhado do VP de serviços digitais da Afya, Lelio Souza, o executivo detalha o modelo de negócios orientado a serviços digitais e as estratégias para continuar liderando a educação médica no país.
Medicina S/A: A Afya é hoje o maior grupo de educação médica do Brasil e um importante player no ecossistema de healthtechs. Como surgiu esse modelo de negócio, inédito no país, que visa acompanhar todas as etapas da carreira médica?
Virgilio Gibbon: A Afya nasce como uma empresa vocacionada para a educação médica com foco na graduação. Em 2015/2016, já era um player bastante representativo em termos de penetração, ainda longe de ser o maior de graduação médica no país, mas com uma vocação muito clara para o ensino superior da medicina. Naquele momento, estávamos buscando referências mundiais, do que existia de mais avançado em termos de prática acadêmica e metodologias para serem implantadas no curso de medicina. Um grupo de 20 professores viajou para 10 países na Europa, Estados Unidos, além de Israel, para conhecer novas abordagens pedagógicas médicas. Trouxemos essas boas práticas e começamos a implantar aqui em 2017.
Nasce, então, um novo currículo de formação médica da Afya. Nesse meio-tempo, organizamos a casa para começar um processo de consolidação e crescimento, com um aporte que tinha sido feito por um fundo. Em 2018, já tínhamos nos tornado um dos maiores players de graduação médica do país. Naquele momento, refletíamos sobre como acompanhar a carreira desse profissional, que é quem mais investe em formação continuada. Dentre todas as profissões, o médico é o que mais volta para a atualização de suas habilidades, protocolos, procedimentos, sendo um aprendizado contínuo. Ficou claro que deveríamos entrar na jornada de especialização médica, tanto no preparatório para residência, quanto nas sucessivas especializações que esse profissional faz ao longo da carreira. Então, a Afya horizontalizou o seu relacionamento com o médico trazendo para seu portfolio a Medcel, na frente de cursos preparatórios para residência e a IPEMED, na frente de pós-graduação. Esse profissional pode ficar com a gente por 30, 40 anos em sua jornada de formação e atualizações.
Medicina S/A: Em que momento você percebeu que a empresa precisava atuar em serviços digitais?
Virgilio Gibbon: Todo esse processo vinha com uma pegada de tecnologia muito grande. Em 2019, a gente fez o IPO [na Nasdaq], em que a proposta era praticamente dobrar de tamanho. Vale pontuar que a decisão de ter a Afya listada fora foi basicamente porque [no mercado norte-americano] temos empresas similares em termos de modelo de negócio. Tínhamos, naquele momento, 4% de market share. Começamos o processo de consolidação, e chegamos hoje a quase 10% desse mercado de educação médica. Em março de 2020, com a pandemia, ficou evidente que, se a gente quisesse continuar na fronteira da formação médica, tínhamos que trazer todo esse processo disruptivo que ocorreu no mercado de trabalho, na área da saúde, sobretudo na área médica, para dentro do processo de formação contínua do médico. Com isso, desenhamos um escopo do que seria fundamental para que o médico na Afya tivesse sua cadeia de valor digitalizada, entendendo como esse processo estava sendo alterado no mercado de trabalho, ao mesmo tempo em que, paralelamente, isso também fosse uma proposta de valor interessante para a Afya. Naquele momento, desenhamos seis pilares, uma visão com soluções para servir ao médico no seu dia a dia.
Medicina S/A: Lelio, agora falando dos serviços digitais, quais são esses pilares e como eles têm apoiado os médicos?
Lelio Souza: Estamos 100% focados em tentar resolver as dores do médico, nosso maior parceiro nessa jornada, ao mesmo tempo em que a gente cria um valor muito grande para a indústria de saúde.
Nesse sentido, o primeiro pilar é o de Conteúdo e Tecnologias para Educação Médica, nosso DNA, que garante a formação contínua do indivíduo. Aí entram empresas como a Medcel, a Medical Harbour e, recentemente, Além da Medicina e CardioPapers.
Nosso segundo pilar é o de Suporte à Decisão Clínica. Fizemos a aquisição da PEBMED e da Medphone, o primeiro logo no segundo trimestre de 2020, que conta com uma solução líder no mercado, com quase 200 mil médicos. Para você ter uma ideia, em 2021, foram 60 milhões de querys, ou seja, de consultas ao aplicativo Whitebook para ajudar no atendimento aos pacientes. Imagine quanto protocolo foi adequado, quanto tratamento foi melhorado com a inteligência que vem com a ferramenta. Temos hoje cerca de 70% dos médicos com até 10 anos de formados utilizando o Whitebook. É uma adesão muito relevante.
O terceiro pilar é o de Prontuário Eletrônico e Gestão de Consultório. Hoje, temos 20 mil clínicas no Brasil contando com uma gestão em nuvem, com agendamento de consulta, gestão do prontuário e gestão financeira. Aqui estão a iClinic, líder de mercado nesse segmento, além da Shosp, especializada em grandes clínicas e a Medicinae, uma fintech para médicos que os ajuda a cobrar seus pacientes e antecipar recebíveis das operadoras de planos de saúde. O quarto pilar é a Telemedicina, também com uma ferramenta da iClinic, que dá flexibilidade ao médico para realizar teleconsultas.
O quinto pilar é o de Prescrição Eletrônica. Não basta apenas ter a liderança, com quase 200 mil médicos utilizando nossas soluções. Estrategicamente, se a gente tem esse contingente de médicos utilizando nossas soluções, utilizando a nossa prescrição, temos quase 40% da demanda após uma consulta sendo gerada pela solução. É uma visão de futuro muito interessante em termos de valor. Neste pilar criamos o iClinic RX, o nosso motor proprietário de prescrição eletrônica e adquirimos a Cliquefarma, um site comparador de preços para compra online de medicamentos.
O sexto pilar é o Relacionamento Médico-Paciente, com o Agendar Consulta, nosso marketplace que facilita os pacientes a encontrarem os nossos médicos de forma online e agendar consultas. Além disso, teremos nesse pilar soluções para o acompanhamento de pacientes crônicos, como hipertensão e diabetes, ou que demandam tratamento de longo prazo. Apoiaremos na redução de risco no tratamento destes pacientes. Em resumo, esse ecossistema vai desde o agendamento da consulta até o final da geração da demanda, a compra de remédio, a internação e o acompanhamento do paciente.
Além destas aquisições focadas em soluções para o médico, em outubro de 2020 demos o nosso primeiro passo para atender o mercado B2B, com a aquisição da RxPro, plataforma digital focada em entregar soluções para o mercado farmacêutico, ajudando a solicitação e a gestão do envio de amostras grátis para os médicos prescritores. A ideia a partir de agora é enriquecer esse portfólio de soluções, permitindo que a indústria farmacêutica acesse e se relacione digitalmente com todos esses mais de 250 mil médicos e estudantes de medicina do nosso ecossistema.
Medicina S/A: Nesse sentido, podemos falar de um open health?
Lelio Souza: Nosso posicionamento é de ser um one stop shop para o médico. Queremos criar conveniência em sua prática e atualização profissional, com soluções desde o primeiro dia da graduação até a aposentadoria. Isso indiretamente cria dados que são muito valiosos para gerar insights tanto para os próprios médicos, quanto para a indústria. O nosso conceito é evoluir cada vez mais para open healthtech platform. Fazendo um paralelo com o open banking, o que a gente imagina é ter condições de plugar eventuais serviços de parceiros que estão fora do nosso core business, mas que trazem conveniência e valor para o médico e para esse ecossistema.
Medicina S/A: A Afya pretende avançar nessa estratégia em serviços digitais, ampliando a atuação no mercado B2B – especificamente no mercado farmacêutico. Você pode explicar como isso vai ocorrer?
Lelio Souza: Imagine hoje a indústria farmacêutica querendo se aproximar de um contingente qualificado de médicos para lançar uma nova droga, educar sobre uma nova molécula ou novo protocolo, fazer distribuição de conteúdo etc. Com esse ecossistema digital, reduzimos a distância e o custo até o médico, gerando acesso e eficiência. Com a indústria farmacêutica, estamos focados na oferta de acesso e relacionamento. Ou seja, facilitar o acesso de forma inteligente a esse ecossistema de profissionais – sempre orientado a gerar valor para o médico.
Medicina S/A: Quais as perspectivas da empresa para o mercado B2B?
Virgilio Gibbon: Estamos começando esse trabalho com as farmacêuticas com um time experiente, liderado pelo Lelio Souza, VP da Afya Digital Health, além dos empreendedores que trouxemos via aquisições, alguns com mais de 10 anos de experiência no mercado de saúde digital. Temos atualmente 23 contratos com 18 farmacêuticas diferentes, em uma estratégia de entrar, estabelecer relacionamento, provar valor e aumentar a monetização na mesma medida em que vamos entregando mais valor para a indústria. Além disso, facilitamos a geração de demanda para a indústria com o nosso motor de prescrição e nosso comparador de preços. A ideia é expandir essa geração de demanda à medida que a gente entra na prescrição de exames, procedimentos e suporte ao tratamento de pacientes crônicos.
Medicina S/A: Hoje, quanto os serviços digitais representam para a receita da empresa?
Lelio Souza: Atualmente, 10% da geração de receita da Afya são dos serviços digitais. No ano passado, foi a linha que mais cresceu em receita – com cerca de 63% de alta. Acreditamos que esse negócio possa ser, no mínimo, do mesmo tamanho que o negócio de educação.
Medicina S/A: Virgilio, os serviços digitais têm impactado na educação médica?
Virgilio Gibbon: Essas ferramentas estão evoluindo cada vez mais dentro da nossa operação educacional. Hoje, a Afya conta com mais de mil hospitais e clínicas parceiros dentro do processo de aprendizagem. É o maior laboratório vivo para treino e prática da medicina no Brasil. Imagine um consultório, uma clínica, um posto de saúde da família e uma secretaria municipal de saúde do interior do Brasil terem a possibilidade de acessar essas ferramentas. Há ganhos na gestão da saúde, nas atenções primária e secundária dessa localidade. Em um contexto de prática médica, há um valor muito grande para os nossos alunos.
Medicina S/A: Falando um pouco do futuro da carreira médica e das novas tecnologias, como você vê questões como metaverso, realidades virtual e aumentada, inteligência artificial? Há adesão tanto dos jovens profissionais como dos médicos mais experientes?
Virgilio Gibbon: São grupos em níveis diferentes de adesão. A tecnologia tem que ser imperceptível. Tenho que gerar conveniência e valor para esse profissional sem que ele tenha que se preocupar com a tecnologia.
Temos um modelo de ensino hoje desenhado para trabalhar com peer instruction, de forma colaborativa, presencialmente e online. Usamos cada vez mais inteligência de dados para personalizar a experiência de aprendizado, seja na graduação, seja na educação médica continuada. Ainda este ano lançaremos uma solução de realidade virtual.
Medicina S/A: Para encerrarmos, quais são as metas da Afya para os próximos anos?
Virgilio Gibbon: Estamos hoje em 13 estados com cobertura presencial, ou seja, com formação contínua de médicos, na graduação e na pós-graduação. Em meios digitais, já temos abrangência nacional e fora do Brasil. Contamos hoje com 10% do market share de educação médica no país, nosso objetivo é chegar a 15% de mercado até 2028.
Já em termos de serviços digitais, nosso objetivo é ampliar a escala e ter cada vez mais médicos engajados e satisfeitos com os nossos serviços. Vamos trabalhar para chegar a 50, 60 e até 80% de penetração da base de médicos do país.