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Educação Médica

Panorama da Educação Médica

Brasil ultrapassa 50 mil vagas anuais em medicina após abertura de 77 novos cursos. Projeção indica que o país pode superar 1,2 milhão de médicos até 2030

Um levantamento da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) mostra que o Brasil vive uma nova fase de expansão no ensino médico. Entre janeiro de 2024 e setembro de 2025, o Ministério da Educação (MEC) autorizou a criação de 77 novos cursos de Medicina, totalizando 4.412 vagas de graduação. No mesmo período, outros 20 cursos já existentes tiveram suas turmas ampliadas, o que representou 1.049 vagas adicionais.

No total, o país ganhou 5.461 novas vagas em menos de dois anos. Com isso, o Brasil chega a 494 escolas médicas em 2025, com 50.974 vagas anuais de graduação, das quais 80% estão em instituições privadas.

A análise, que utilizou dados obtidos via Lei de Acesso à Informação (LAI), foi realizada pelo grupo de pesquisa Demografia Médica no Brasil, coordenado pelo Prof. Dr. Mário Scheffer, do Departamento de Medicina Preventiva da FMUSP, com a participação dos pesquisadores Ivan Hossni e Cristiane Almeida.

O grupo avaliou 197 portarias publicadas no Diário Oficial da União (152 referentes a pedidos de novos cursos e 45 a aumentos de vagas), excluiu os pedidos indeferidos e cruzou as informações com o sistema e-MEC, base pública do Ministério da Educação, para calcular o total de cursos e vagas de graduação de medicina no país.

Expansão regional

A região Nordeste concentrou 43% das novas vagas (2.365), seguida por Sudeste (1.225), Norte (835), Sul (729) e Centro-Oeste (307). Os estados que mais receberam novos cursos foram Pará, Bahia e São Paulo, com oito cada. Entre as capitais, destacam-se São Luís (MA), que sozinha obteve cinco autorizações, e Belém (PA), Teresina (PI) e Boa Vista (RR), com dois cursos cada.

Entre os municípios do interior, chamaram a atenção aqueles que receberam duas autorizações simultâneas: Feira de Santana (BA), Luís Eduardo Magalhães (BA), Sobral (CE), Tianguá (CE), Cariacica (ES), São Mateus (ES), Ariquemes (RO), Santarém (PA) e Joinville (SC).

“Essa expansão reflete tanto o lobby do setor privado da educação e a pressão de prefeitos e parlamentares dos municípios beneficiados quanto diferentes fluxos e marcos regulatórios que orientam os processos de abertura de cursos ou ampliação de vagas, que podem seguir a lei Mais Médicos, ações judiciais ou portarias do MEC”, explica o Prof. Dr. Mário Scheffer.

Impactos no sistema de saúde

Com o ritmo atual de formação, que supera 50 mil novos médicos por ano, o Brasil poderá alcançar 1,2 milhão de profissionais até 2030, o equivalente a mais de cinco médicos por mil habitantes.

“A expansão terá impactos significativos no sistema de saúde. Por um lado, aumenta a disponibilidade de médicos; por outro, acentua a defasagem entre vagas de graduação e de residência médica. O Brasil precisa planejar melhor a qualificação, a distribuição e a inserção desses novos profissionais no Sistema Único de Saúde (SUS)”, avalia Scheffer.

As novas Diretrizes Curriculares Nacionais para Medicina, homologadas pelo MEC em setembro, que preveem avaliação obrigatória no quarto ano do curso, antes do internato, juntamente com o Exame Nacional de Avaliação da Formação Médica (Enamed), são parte dos esforços para assegurar a qualidade dos cursos e da formação dos futuros médicos.

Raio X da medicina no estado de São Paulo

Ao final de 2025, o estado de São Paulo contará com aproximadamente 197 mil médicos. O estudo “Demografia Médica do Estado de São Paulo 2026”, realizado pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), a Associação Paulista de Medicina (APM) e a Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo (SES-SP), projeta um aumento expressivo da oferta nos próximos anos, quando o número de profissionais poderá ultrapassar 235 mil em 2030, chegando à marca de 340 mil profissionais ao final da década.

Esse crescimento acelerado fará com que a razão de médicos por habitantes suba de quatro por mil habitantes em 2025 para sete por mil em 2035. Apesar do aumento geral, a distribuição permanecerá desigual. Enquanto em 2025 a região de Ribeirão Preto dispõe de 5,2 médicos por mil habitantes, a de Registro tem 2,1.

“Ter acesso a dados tão importantes e confiáveis é fundamental para nortear nossas ações e seguir no caminho da qualidade, tomando decisões baseadas em informações concretas e objetivas, com condições de estabelecer uma política de saúde pública competente”, destaca o secretário de estado da saúde de São Paulo, Eleuses Vieira de Paiva.

Especialistas x generalistas

O estudo aponta que 60% dos médicos em São Paulo (aproximadamente 117,7 mil) são especialistas, confirmando o papel do estado como centro formador e empregador. Ainda mais concentrados do que os médicos em geral, 57% dos especialistas estão na Grande São Paulo e outros 10% na região de Campinas.

Já o grupo de médicos generalistas (sem título de especialista) cresce em ritmo muito maior que o de especialistas. Atualmente, são cerca de 80 mil profissionais nessa condição, correspondendo a 40% do total, um salto significativo em comparação ao ano 2000, quando representavam menos de 25%.

Expansão e privatização do ensino

O fenômeno do crescimento do número de médicos generalistas está relacionado, dentre outros fatores, à expansão do ensino privado e à insuficiência de vagas de residência médica (RM) para todos os egressos. Nos últimos dez anos, foram abertos 40 novos cursos de medicina em São Paulo, totalizando 87 escolas médicas em 2025. A expansão consolidou a privatização do ensino: hoje, 92% do total de vagas são oferecidas por escolas médicas privadas, enquanto menos de 10% estão em instituições públicas.

Embora tenha havido descentralização, a Grande São Paulo ainda detém mais de 40% das vagas de graduação. A oferta de residência, apesar de ter aumentado, não acompanhou o mesmo ritmo e ainda atrai muitos candidatos de outros estados.

“A abertura indiscriminada de cursos de Medicina e o crescimento acelerado do número de médicos generalistas, uma vez que não há vagas de residência médica para todos, são uma grande preocupação da APM e de todo o movimento associativo”, afirma o presidente da Associação Paulista de Medicina, Antonio José Gonçalves.

Mulheres e jovens redefinem a profissão

O perfil dos médicos em São Paulo vem apresentando mudanças. As mulheres consolidaram-se como maioria e, em 2025, passaram a representar 52% do total de médicos. A tendência de feminização é contundente: a projeção é de que elas passem a representar 70% da população de médicos na próxima década.

Atualmente, as médicas predominam em 22 das 55 especialidades, sendo maioria expressiva (mais de 60%) em áreas como pediatria, ginecologia e obstetrícia, e medicina de família e comunidade. Além de mais feminina, a profissão rejuvenesceu: mais de um terço dos médicos no estado tem 35 anos ou menos.

“A feminização da medicina brasileira é uma conquista irreversível. Esse fato reflete o momento de transformação que vivemos, mas também impõe novos compromissos. Precisamos garantir que essa superioridade numérica venha acompanhada de equidade real em cargos de chefia, remuneração e condições de trabalho compatíveis com a realidade da mulher contemporânea”, analisa a diretora da FMUSP, Profa. Dra. Eloisa Bonfá.

Atualização profissional

A qualificação e a atualização dos profissionais de saúde serão determinantes para que o Brasil enfrente o envelhecimento populacional e a multimorbidade de doenças, e reduza desigualdades estruturais na formação e na oferta de mão de obra no sistema até 2035. O novo estudo da série Caminhos da Saúde Suplementar 2035, do Instituto de Estudos de Saúde Suplementar (IESS), mostra que o país carece de políticas integradas de desenvolvimento profissional e convive com forte assimetria regional, marcada pela concentração de profissionais nas capitais.  

“A força de trabalho em saúde precisa estar preparada para uma sociedade que envelhece rapidamente e que exige competências técnicas, sociais e culturais mais amplas do que as práticas tradicionais contemplam”, afirma José Cechin, superintendente executivo do IESS.

O relatório destaca que o Brasil não possui uma política nacional obrigatória de capacitação para todas as categorias da saúde e que fragilidades nos currículos e na formação em serviço dificultam o atendimento às necessidades da população. Mesmo com expansão de cursos, a preparação continua insuficiente para estimular competências interprofissionais, sensibilidade cultural e domínio de tecnologias emergentes. Esse descompasso fica evidente na distribuição dos profissionais: municípios com mais de 500 mil habitantes concentram 57,8% dos médicos, com 5,75 por mil habitantes, enquanto municípios com menos de 5 mil têm apenas 0,51. 

“Sem investir em qualificação permanente, continuaremos formando profissionais que não respondem adequadamente às necessidades reais da população, especialmente nas regiões mais vulneráveis”, destaca Cechin. 

Tendências na qualificação

Entre as recomendações, o estudo defende políticas de desenvolvimento profissional contínuo, fortalecimento da formação interprofissional, maior uso de tecnologias educacionais — como simulação e teleducação — e mecanismos de certificação e acreditação das práticas formativas. A análise também apresenta experiências de Canadá, Austrália e Reino Unido, que adotam sistemas estruturados de atualização com avaliações periódicas, prática reflexiva e documentação sistemática. “Esses países mostram que a formação não termina na graduação. É preciso acompanhar, avaliar e garantir padrões mínimos de competência ao longo de toda a carreira”, complementa Cechin. 

No Canadá, o programa Maintenance of Certification (MOC), conduzido pelo Royal College of Physicians and Surgeons of Canada, constitui uma das principais estruturas de desenvolvimento profissional contínuo (DPC) do país. O modelo é baseado na premissa de que a aprendizagem ao longo da vida é essencial para manter a competência clínica, promover o aprimoramento profissional e garantir a qualidade dos serviços de saúde. Nesse contexto, o CPD (Continuing Professional Development) é a unidade básica de mensuração das atividades formativas, sendo que cada hora de participação em uma atividade reconhecida equivale a um crédito de CPD.

O programa exige que, em um ciclo de três anos, o profissional acumule pelo menos 150 créditos, distribuídos em diferentes tipos de atividades que reflitam tanto a atualização técnica quanto o desenvolvimento de habilidades transversais. As oito categorias de CPD reconhecidas são:

  1. Aprendizagem em grupo (Group Learning), como congressos, workshops e cursos presenciais.
  2. Aprendizagem autodirigida (Self-Learning), que envolve leitura crítica de literatura científica, módulos online ou podcasts educacionais.
  3. Avaliação de desempenho pessoal (Assessment of Performance), com uso de feedbacks, auditorias clínicas e análise de resultados próprios.
  4. Avaliação de resultados da prática profissional (Assessment of Outcomes), baseada em indicadores de desempenho clínico e impacto das ações sobre os pacientes.
  1. Ensino e supervisão (Teaching and Supervision), incluindo preceptoria, orientação de residentes e palestras educacionais.
  2. Contribuições para a profissão (Contribution to the Profession), como atuação em comitês, publicações científicas, revisão de periódicos ou participação em conselhos regulatórios.
  3. Planejamento de aprendizado pessoal (Personal Learning Projects), nos quais o próprio profissional define objetivos, métodos e evidências de aprendizagem.
  4. Atividades de desenvolvimento profissional estruturadas institucionalmente, como programas formais de mentoria e treinamento organizacional.

De acordo com o IESS, as abordagens adotadas revelam a importância de sistemas formais e estruturados de capacitação e revalidação profissional. Embora existam diferenças quanto à rigidez regulatória, à natureza das atividades formativas e aos mecanismos de avaliação, todos enfatizam a prática reflexiva, a integração de competências não clínicas e a necessidade de documentação sistemática.

“Desafios persistem, especialmente na equidade de acesso, na capacitação digital e na formalização da avaliação de competências transversais. O aprendizado a partir dessas experiências pode orientar o aperfeiçoamento das políticas de educação permanente no Brasil e em outros contextos”, conclui o estudo.

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Confira na edição as instituições de ensino brasileiras que estão inovando em metodologias de ensino, uso de tecnologia, formação humanizada e integração com o sistema de saúde.

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