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Reportagem de Capa

Demografia dos Núcleos de Segurança do Paciente

Iniciativa única no país, levantamento chega à segunda edição com mais de 1.000 instituições participantes e dados fundamentais para a gestão e o avanço da cultura da segurança nos serviços de saúde brasileiros.

Os Núcleos de Segurança do Paciente (NSP) presentes em serviços de saúde no país são realmente atuantes? São bem preparados e estão transformando e melhorando as condições de segurança dos pacientes atendidos? Quais dificuldades enfrentam? É possível identificar motivos que expliquem o número ainda reduzido de NSPs cadastrados?

Ciente da importância fundamental de conhecer essa realidade para o avanço da cultura da segurança do paciente no Brasil, a Sociedade Brasileira para a Qualidade do Cuidado e Segurança do Paciente, SOBRASP, realizou ao longo de 2024 a segunda edição da pesquisa “Demografia dos Núcleos de Segurança do Paciente”. Os resultados foram divulgados em primeira mão para a Medicina S/A.  

Foram 1.131 instituições participantes de 26 estados e do Distrito Federal, quase o triplo da primeira edição, em 2022 (400 respondentes). O salto é atribuído pela SOBRASP ao empenho na divulgação pela equipe do Núcleo de Informações Estratégicas* da entidade, ao trabalho do grupo “Comitê de Mobilização pela Demografia” (composto por cerca de 50 pessoas em diversas posições nos âmbitos público e privado e criado para fazer a pesquisa chegar ao conhecimento dos serviços de saúde com NSPs no país) e à credibilidade e às parcerias que a Sociedade vem conquistando desde sua fundação em 2017.

A Demografia dos Núcleos de Segurança do Paciente 2024 foi uma websurvey com um questionário de 42 perguntas, divididas em quatro seções: dados da instituição; dados do NSP; dados do(a) coordenador(a)/responsável pelo NSP; e dados sobre o nível de maturidade do Núcleo. A SOBRASP contou com a participação do Ministério da Saúde no início dos trabalhos de confecção e revisão dessas perguntas. Os dados, coletados no período de 1 de março a 21 de junho deste ano, são anonimizados e protegidos no contexto da Lei Geral de Proteção de Dados. Nenhum estabelecimento é identificado.

DE 2013 A 2024: AFINAL, COMO OS NSPs ATUAM?

Segundo Antônio José de Lima Júnior, coordenador do Núcleo de Informações Estratégicas da SOBRASP, responsável pela Demografia, os principais objetivos da pesquisa são fornecer dados para a criação de políticas públicas que possibilitem o avanço da cultura da segurança no sistema de saúde brasileiro e garantir aos Núcleos de Segurança do Paciente (NSPs) elementos que os auxiliem a mudar sua realidade. A intenção é levantar uma discussão em nível nacional sobre a atuação dos núcleos e que contribua para entender, também, o que tem dificultado a implementação na maioria dos serviços, a julgar pela proporção de NSPs cadastrados de 2013 até hoje”, diz Lima Júnior. Os Núcleos de Segurança do Paciente integram o conjunto de medidas do Programa Nacional de Segurança do Paciente, lançado em abril de 2013 pelo Ministério da Saúde, e estão previstos na Resolução de Diretoria Colegiada-RDC 36/2013, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). A RDC se aplica aos serviços de saúde públicos, privados, filantrópicos, civis ou militares, e ainda aos que exercem ações de ensino e pesquisa; ela não inclui consultórios individualizados, laboratórios clínicos e serviços móveis e de atenção domiciliar.

O documento diz o que compete ao NSP, como, por exemplo, elaborar o Plano de Segurança do Paciente (PSP) e monitorar e notificar os eventos adversos à Anvisa, e define as condições organizacionais dos núcleos. Segundo a RDC, é preciso que a direção do serviço de saúde disponibilize recursos humanos, financeiros, equipamentos, insumos e materiais, além de um profissional responsável pelo NSP com participação nas instâncias deliberativas do serviço de saúde.

“Como a RDC não determina qual a composição mínima dos Núcleos e a formação dos profissionais membros, esses questionamentos fizeram parte da Demografia. Identificamos, por exemplo, que os NSPs são predominantemente compostos por enfermeiros, seguidos de médicos e farmacêuticos. Também consideramos muito importante saber como essas pessoas atuam, quantas horas podem usar para a execução das tarefas do Núcleo e se o responsável pela gestão do NSP tem dedicação exclusiva, já que essas definições acabaram ficando a critério de cada instituição”, destaca Lima Júnior.

De acordo com ele, os resultados da Demografia 2024 ratificaram os dados encontrados na edição anterior sobre esse quesito: das instituições respondentes, a maioria (57,7%) não tem coordenadores com dedicação exclusiva.

ACREDITAÇÃO E MATURIDADE

Nessa edição da pesquisa, a SOBRASP incluiu uma pergunta sobre acreditação, a fim de verificar se essa estratégia pode trazer impacto para a qualidade da atuação dos Núcleos. Apenas 22,2% responderam que têm alguma acreditação e percebem que a atuação do seu NSP é significativa (próxima de 8 numa escala que vai até 10). “Saber que quase 77,8% das instituições participantes não são acreditadas nos leva a entender que essa iniciativa tem evoluído no país, mas que ainda não é uma realidade na maioria dos serviços”, comenta o coordenador.

E, ao associar variáveis de desfecho de resultado com outras variáveis da pesquisa, foram encontradas relações entre o quanto os Núcleos são atuantes e seu tempo de criação no serviço de saúde, ou seja, NSPs criados há mais de sete anos receberam uma avaliação melhor de seus participantes, com média superior a oito. Para Lima Júnior, é um indicador do valor do amadurecimento. “Não se cria um Núcleo hoje e no próximo ano ele já é muito atuante, com resultados. Isso requer tempo”, diz.

APOIO DA ALTA GESTÃO

Outra associação foi entre o quão atuante é o Núcleo com o apoio recebido da alta gestão. Os NSPs que dizem receber apoio da alta gestão tiveram uma nota de 7.9, enquanto que aqueles que afirmam não ter apoio alcançaram 6.68. “Parece pequena essa distância, mas é estatisticamente significante. Além do mais, está descrito na literatura sobre segurança do paciente que o apoio da alta gestão é fundamental para a melhoria da qualidade dessa segurança”, reforça Lima Júnior. “É preciso que a instituição tenha uma política na área e tenha a adesão das pessoas, e quem encabeça esses profissionais é a alta gestão.”

Uma divergência foi identificada entre a informação de que núcleo recebe apoio da alta gestão (90,3%) e a existência de uma agenda de reuniões com a alta gestão (61%). Para o coordenador, não ter encontros para a definição de ações e tomadas de decisão e, ao mesmo tempo, dizer receber apoio passa a impressão de que esse apoio é incondicional, que o NSP pode fazer o que quiser. A discrepância também fortalece a necessidade de aprofundamento da investigação sobre de que forma esse apoio é dado.

DIFICULDADE: ENVOLVIMENTO DE PACIENTES E FAMILIARES NAS AÇÕES DE SEGURANÇA

A necessidade da formação, capacitação e educação continuada dos profissionais de saúde nos aspectos da segurança do cuidado – que inclui o envolvimento de pacientes e familiares nas ações do Núcleo – aparece nos 41,6% dos NSPs que afirmam não ter ações nesse sentido. “Como eu vou dar uma orientação se não desenvolvi aquele olhar? Como posso reduzir o risco de queda sem envolver o paciente e o familiar? A maioria dos serviços de saúde não têm conseguido fazer isso, e a Demografia ratifica essa realidade”, salienta Lima Júnior.

Para o coordenador, atitudes básicas, como se apresentar para o paciente e o familiar antes de qualquer avaliação, pedem que haja uma mudança de comportamento, assim como para envolvê-los na análise de um incidente, de um evento adverso, convidando-os a ajudar na elaboração de um plano de ação para evitar que o problema aconteça novamente (uma das frentes de atuação do chamado disclosure).

“O envolvimento acontece na prevenção e na melhoria contínua, é algo que precisa estar sistematizado. Toda pessoa que é internada vai receber as orientações básicas de onde está a saída de emergência, a campainha para pedir ajuda, o que fazer para evitar uma queda. É preciso, ainda, que o NSP trabalhe para construir e manter um ambiente favorável e seguro que estimule o paciente e o familiar a questionarem o profissional de saúde toda vez que algum medicamento for administrado, por exemplo, e que o profissional seja treinado para essa troca. O quesito envolvimento do paciente e familiar comporta até a nomeação de um representante da comunidade para integrar o NSP”, afirma.

NÚCLEOS MAIS ATUANTES = PROTOCOLOS IMPLANTADOS

Serviços de saúde sem Núcleo de Segurança do Paciente estruturado enfrentam muito mais dificuldades na implantação e no monitoramento dos protocolos de segurança do paciente, segundo Lima Júnior. Por outro lado, como mostrou a Demografia 2024, NSPs com avaliação de atuação próxima ou superior a oito (numa escala de 1 a 10) têm protocolos descritos, implantados e monitorados, o que também envolve apoio da alta gestão, com capacitação dos profissionais para possibilitar adesão e recursos e suprimentos necessários ao cumprimento dos protocolos.

“Todos sabemos que protocolos de segurança do paciente são construídos a partir de evidências científicas, e que trabalhar com eles é condição essencial para melhorar a qualidade da assistência. Também sabemos que um apoio importante da alta gestão é o financeiro, para, por exemplo, ter os materiais previstos no protocolo de prevenção de lesões por pressão. Sem materiais, podemos entender que essa prevenção não é prioridade da gestão”, analisa.

Para a Demografia, os oito protocolos definidos pela SOBRASP foram: identificação do paciente; comunicação segura; segurança na prescrição, uso e administração de medicamentos; cirurgia segura; prática de higiene das mãos; prevenção de quedas; prevenção de lesão por pressão; e uso seguro de sangue e hemocomponentes.

A pesquisa mostrou, ainda, a associação entre o quão atuante é o núcleo e a análise de eventos adversos. Mais de 80% dos participantes responderam que analisam os eventos adversos, e seus serviços de saúde tiveram nota de atuação próxima de 8, o que também é estatisticamente significante, de acordo com Lima Júnior. Vale lembrar que, no Brasil, o número de eventos adversos notificados pelos serviços de saúde na Anvisa chegou a 370.000 em 2023.

“Só fazemos gestão se tivermos dados, e não tínhamos informações detalhadas sobre a conformação, o trabalho e as dificuldades dos Núcleos de Segurança do Paciente, que são uma célula importante de implantação das ações de segurança nas instituições de saúde do país”, pontua Paola Andreoli, que tomou posse como presidente da SOBRASP (2025-2026) no dia 6 de dezembro. Ela espera que a Demografia possa ser usada pelo Ministério da Saúde, pela Anvisa, pelo Conselho Nacional de Secretários de Saúde (CONASS), pelo Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (CONASEMS) e pela Agência Nacional de Saúde (ANS), órgãos que definem diretrizes que podem apoiar mais os NSPs.

“Esperamos que esse conjunto de informações possa catalisar iniciativas para o desenvolvimento e o apoio às práticas de segurança implantadas pelos Núcleos de Segurança do Paciente e que a Demografia também seja um instrumento para os profissionais que compõem os NSPs, pois eles são a instância propulsora do Programa Nacional de Segurança do Paciente nos serviços de saúde do país”, deseja o Coordenador-geral do Proqualis ENSP/Fiocruz e ex-presidente da SOBRASP, Victor Grabois, que após sete anos deixa o cargo que ocupou desde a fundação da Sociedade.

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Equipe do Núcleo de Informações Estratégicas da SOBRASP, responsável pela Demografia dos Núcleos de Segurança do Paciente

Ana Gabriela Silva de Lima, Antônio José de Lima Júnior, Flávia Portugal, Isabelle Mury, Jurema Corrêa da Mota. Colaboradores da edição 2024: Claudia Toledo, Luiza Gerhardt e Victor Grabois.

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