No final de 2023, o texto da Política ganhou força de lei e o projeto de iniciativa do legislativo federal foi sancionado. Mas, até o presente momento, a Lei 14.758, que entrou em vigor em 16 de junho de 2024, não foi regulamentada.
Na pesquisa, foram entrevistadas mais de 2.000 pessoas: pacientes oncológicos (224), gestores de saúde dos três níveis – federal, estadual e municipal (16), médicos e profissionais da saúde que atuam na oncologia (124) e a população em geral (1.747). Entre os pacientes oncológicos, 75% afirmaram desconhecer a nova política, enquanto entre a população em geral esse índice é de 67%. Aqueles que souberam da lei foram informados principalmente por instituições de saúde, veículos de imprensa e mídias sociais.
Os dados foram apresentados na abertura do 11º Congresso TJCC por Catherine Moura, médica sanitarista, CEO da Associação Brasileira de Linfoma e Leucemia (Abrale) e líder do Movimento TJCC, e os resultados foram comentados pelos especialistas Roberto Gil, oncologista clínico e diretor-geral do Instituto Nacional de Câncer (INCA), Renato Freire Casarotti, atual vice-presidente da ABRAMGE (Associação Brasileira de Planos de Saúde) e diretor de relações institucionais da AMIL, Nelson Teich, médico oncologista e ex-Ministro da Saúde, e Katia Leite, ex-presidente da Sociedade Brasileira de Patologia e presidente do conselho da SBP.
Congresso TJCC
O 11º Congresso Todos Juntos Contra o Câncer contou com 5.576 participantes, sendo 2.264 presenciais e 2.266 online, nos mais de 60 painéis temáticos, com cerca de 200 palestrantes renomados, nacionais e internacionais. Os debates abordaram assuntos como gestão, financiamento, promoção da saúde, prevenção, diagnóstico, tratamento, inovação, inteligência artificial na atenção oncológica, mobilização social, educação e comunicação em saúde, navegação de pacientes com câncer, humanização e cuidados paliativos.
Percepções sobre fatores de risco e direitos do paciente
Entre os pacientes oncológicos, 87% disseram que, antes do seu diagnóstico, em consulta com seu médico ou clínico geral, não foram abordadas questões sobre controle de fatores de risco, rastreamento e programas de prevenção. A pesquisa também mostrou que 99% dos entrevistados reconheceram a importância da nova política para embasar decisões que limitem ou eliminem fatores de risco.
Quando questionados sobre os fatores de risco mais conhecidos para o câncer, 83% da população geral citaram o tabagismo, 67% mencionaram a exposição à radiação e 65% apontaram alimentos embutidos e a exposição excessiva ao sol como fatores de risco. Mais da metade desses entrevistados (55%) afirmou não terem sido informados sobre prevenção e fatores de risco na atenção básica.
Desafios das instituições de saúde
Do ponto de vista das instituições, 50% dos gestores relataram que a nova política já foi discutida internamente. No entanto, as dificuldades de adaptação ainda são evidentes: 58% mencionaram a falta de conhecimento da equipe sobre a política, 38% citaram problemas de financiamento e 31% destacaram a carência de recursos humanos adequados.
“A Lei 14.758 é bastante extensa e detalha todas as etapas de cuidado da jornada terapêutica do paciente, e isso gera desafios e complexidades para que ela seja cumprida. Por isso, precisamos implementar a Política, para que de fato ela seja efetiva. O acesso igualitário deve realmente ser igual e para todos. Se não é assim que acontece, estamos definindo quem tem oportunidade e quem não tem para uma vida plena. E isso é muito cruel. Vivemos uma crise profunda nesse país, que é a das responsabilidades e competências. Participação da população e controle social são premissas constitucionais. É um direito. Mas a responsabilidade para exercer a política é do Estado, nos três diferentes níveis. Agora, precisamos entender que uma atuação em política pública, que precisa entregar serviços para o bem comum, não pode acontecer se não for com ampla transparência, amplo diálogo e com reconhecimento da participação de tantas entidades e esforços colaborativos do terceiro setor. Nós trazemos legitimidade e representamos as necessidades dos pacientes. Precisamos cobrar o Estado. Temos que participar e controlar a entrega do valor social em saúde”, enfatizou Catherine Moura.
Visão dos especialistas
Roberto Gil, diretor-geral do Instituto Nacional de Câncer, pontuou que a implementação das leis é o caminho mais complexo.
“As doenças crônicas, como o câncer, escalonaram e o financiamento não acompanhou isso. E não adianta pensar que o dinheiro vai resolver tudo. A implementação das leis é o caminho mais complexo. Por isso, a responsabilidade de todos nós é ficar de olho em tudo. A discussão deve ser mais ampla. Diminuímos o valor de impostos dos agrotóxicos ao invés de aumentar. Conseguimos conquistas importantes contra o tabagismo e agora tem o vape. Falar sobre alimentos ultraprocessados no Brasil é algo muito difícil. Realmente, precisamos estar todos juntos contra o câncer, mesmo.”
Nelson Teich, oncologista e ex-Ministro da Saúde, disse que a lei, por si só, não vai mudar nada se o Estado e a sociedade não agirem.
“A lei, por si só, não serve para nada. Ela só define o que precisa ser feito. Eu sinto que nós comemoramos promessas, quando deveríamos comemorar entregas. Criamos uma plataforma de banco de dados, que será pública e liberada em novembro, que mostrará as necessidades da sociedade, a infraestrutura, onde o dinheiro está e o que está acontecendo com os pacientes. Somente assim conseguiremos enxergar a situação. Para a lei pegar, o Estado vai precisar ajudar a sociedade. Temos pouco dinheiro, então a gestão precisa ser ainda melhor.”
Renato Freire Casarotti, vice-presidente da ABRAMGE e diretor de relações institucionais da Amil, comentou que as virtudes da PNPCC é também seu principal desafio.
“O Brasil é o país da legislação casuística. Sempre aparece uma solução fácil para uma situação complexa. Mas essa política foi desenhada de uma outra maneira. Ela foi construída de forma abrangente, com essa intenção de contribuir antes do diagnóstico até os cuidados paliativos. E era isso que queríamos. Porém, essa virtude traz também um desafio. Se não encontrarmos uma forma de exercer uma regulamentação com característica de exequibilidade, a chance de ficar no papel é muito grande”, disse.
Katia Leite, ex-presidente da Sociedade Brasileira de Patologia (SBP) e presidente do conselho da SBP, afirmou que, sem patologistas, não há diagnóstico do câncer. E esse é um desafio grande na saúde.
“A patologia é o centro da oncologia. E, sem um diagnóstico correto, não se faz um tratamento de qualidade. Mas muitos não conhecem nossa profissão. A patologia sofre muito no Brasil. Precisamos ter entre 7 a 9 patologistas por 100 mil habitantes para uma patologia adequada, mas no país temos apenas 1,6. O profissional é pouco reconhecido pela sociedade e ganha pouco. Então, que médico vai querer fazer patologia? Essa é uma luta que nossa classe tem. Nós continuamos estimulando os alunos de medicina para que a profissão, crucial, continue existindo. Trabalhamos também com o poder público, para que sejamos melhor remunerados.”
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A proposta de trabalho do Movimento TJCC para o ano de 2025 é a de monitorar a regulamentação e a implementação da PNPCC em todo o Brasil com a colaboração das entidades parceiras, diálogo com entes federativos e atuação nos espaços de controle social.
O Congresso Todos Juntos Contra o Câncer é parte do Movimento TJCC, um movimento da sociedade brasileira que congrega mais de 300 representantes de diferentes setores voltados ao cuidado do paciente com câncer, comprometidos com a garantia do direito do paciente ao acesso universal e igualitário à saúde.
Para assistir aos painéis do 11º Congresso TJCC, acesse:
https://congresso.tjcc.com.br/painel/abertura